quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O “histórico encontro” entre Francisco e Kirill

O beijo de Francisco e Kirill no aeroporto de Havana: como o Kremlin desejava
O beijo de Francisco e Kirill no aeroporto de Havana:
como o Kremlin desejava
Roberto de Mattei
(1948 - )
professor de História italiano,
especializado nas ideias
religiosas e políticas no
pós-Concilio Vaticano II.
Corrispondenza Romana
Tradução: Hélio Dias Viana




Entre os muitos sucessos atribuídos pela mídia ao Papa Francisco, está o “histórico encontro” realizado no dia 12 de fevereiro em Havana com o patriarca de Moscou, Kirill.

Um acontecimento, escreveu-se, que viu cair o muro que há mil anos dividia a Igreja de Roma daquela do Oriente.

A importância do encontro, nas palavras do próprio Francisco, não está no documento, de caráter meramente “pastoral”, senão no fato de uma convergência rumo a uma meta comum, não política ou moral, mas religiosa.

O Papa Francisco parece querer substituir o Magistério tradicional da Igreja, expresso através de documentos, por um neomagistério transmitido por eventos simbólicos.

A mensagem que o Papa pretende dar é de um giro na história da Igreja. Mas é precisamente através da história da Igreja que devemos começar a compreender o significado do evento.


As imprecisões históricas entretanto são muitas e devem ser corrigidas, porque é justamente sobre falsificações históricas que muitas vezes se constroem os desvios doutrinários.

Em primeiro lugar, não é verdade que mil anos de história dividiam a Igreja de Roma do Patriarcado de Moscou, uma vez que este nasceu apenas em 1589. Nos cinco séculos precedentes, e ainda antes, o interlocutor oriental de Roma era o Patriarcado de Constantinopla.

Paulo VI com Antenagoras
1964: Paulo VI em Jerusalém com o patriarca Atenágoras
Durante o Concílio Vaticano II, em 6 de janeiro de 1964, Paulo VI reuniu-se em Jerusalém com o patriarca Atenágoras, para iniciar um “diálogo ecumênico” entre o mundo católico e o mundo ortodoxo.

Esse diálogo não pôde ir adiante por causa da milenar oposição dos ortodoxos ao Primado de Roma.

O próprio Paulo VI admitiu-o em um discurso ao Secretariado para a Unidade dos Cristãos de 28 de abril de 1967, afirmando: “O Papa, sabemo-lo bem, é sem dúvida o maior obstáculo no caminho do ecumenismo” (Paulo VI , Insegnamenti, VI, pp. 192-193).

O Patriarcado de Constantinopla constituía uma das cinco sedes principais da Cristandade estabelecidas pelo Concílio de Calcedônia de 451.

Os patriarcas bizantinos sustentavam, no entanto, que após a queda do Império Romano, Constantinopla, sede do renascido Império Romano do Oriente, deveria tornar-se a “capital” religiosa do mundo.

O cânon 28 do Concílio de Calcedônia, revogado por São Leão Magno, contém em germe todo o cisma bizantino, porque atribui à supremacia do Romano Pontífice um fundamento político, e não divino. Por isso, em 515, o Papa Santo Hormisdas (514-523) fez os bispos orientais subscrever uma Fórmula de União, com a qual reconheciam a sua submissão à Cátedra de Pedro (Denz-H, n. 363).

Entre os séculos V e X, enquanto no Ocidente se afirmava a distinção entre a autoridade espiritual e o poder temporal, nascia entrementes no Oriente o chamado “cesaropapismo”, no qual a Igreja era de fato subordinada ao Imperador, que se considerava o chefe, como delegado de Deus, tanto no campo eclesiástico quanto no secular.

Os patriarcas de Constantinopla foram na verdade reduzidos a funcionários do Império Bizantino e continuaram a alimentar uma aversão radical à Igreja de Roma.

Depois de uma primeira ruptura, causada pelo patriarca Fócio no século IX, o cisma oficial ocorreu em 16 de julho de 1054, quando o patriarca Miguel Cerulário declarou que Roma caiu em heresia, devido ao Filioque no Credo e outros pretextos.

Os legados romanos depuseram então contra ele, no altar da igreja de Santa Sofia em Constantinopla, a sentença de excomunhão.

Eugênio IVOs príncipes de Kiev convertidos ao Cristianismo em 988 sob São Vladimir, seguiram os patriarcas de Constantinopla no cisma, reconhecendo sua jurisdição religiosa.

As discórdias pareciam insuperáveis, mas um fato extraordinário ocorreu em 6 de julho de 1439 na catedral florentina de Santa Maria del Fiore, quando o Papa Eugênio IV [quado ao lado] anunciou solenemente, com a bula Laetentur Coeli (“que os céus se rejubilem”), a bem-sucedida recomposição do cisma entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente.

Durante o Concílio de Florença (1439), do qual haviam participado o Imperador do Oriente João VIII Paleólogo e o Patriarca de Constantinopla José II, chegou-se a um acordo sobre todos os problemas, do Filioque ao Primado de Roma.

A Bula pontifícia concluía com esta solene definição dogmática, assinada pelos Padres gregos:

“Definimos que a Santa Sé Apostólica e o Romano Pontífice possuem o primado sobre todo o universo; que o mesmo Romano Pontífice é o sucessor do bem-aventurado Pedro, Príncipe dos Apóstolos, e autêntico Vigário de Cristo, chefe de toda a Igreja, pai e doutor de todos os cristãos; que Nosso Senhor Jesus Cristo transmitiu a ele, na pessoa do bem-aventurado Pedro, o pleno poder de apascentar, reger e governar a Igreja universal, como é atestado nos atos dos concílios ecumênicos e nos cânones sagrados” (Conciliorum Oecumenicorum Decreta, Centro Editorial Dehoniano, Bolonha, 2013, pp. 523-528). Este foi o único abraço histórico verdadeiro entre as duas igrejas durante o último milênio.

Entre os participantes mais ativos do Concílio de Florença estava Isidoro, metropolita de Kiev e de toda a Rússia. Assim que ele retornou a Moscou, anunciou de público a reconciliação ocorrida sob a autoridade do Romano Pontífice.

Mas o príncipe de Moscou, Basílio o Cego, declarou-o herege e o substituiu por um bispo submisso a ele. Esse gesto marcou o início da autocefalia da igreja moscovita, independente não só de Roma, mas também de Constantinopla.

Pouco depois, em 1453, o Império Bizantino foi conquistado pelos turcos, e arrastou em seu colapso o Patriarcado de Constantinopla.

Nasceu então a ideia de que Moscou deveria assumir o legado de Bizâncio e tornar-se o novo centro da Igreja cristã ortodoxa. Após o casamento com Zoe Paleólogo, sobrinha do último Imperador do Oriente, o Príncipe de Moscou Ivan III deu-se a si mesmo o título de Czar e introduziu o símbolo da águia bicéfala.

O túmulo de São Josafá no altar de São Basílio, na basílica de São Pedro em Roma.
São Josafá mártir é um herói e líder do "uniatismo" greco-católico na Ucrânia.
Em 1589 foi estabelecido o Patriarcado de Moscou e de toda a Rússia. Os russos se tornaram os novos defensores da “ortodoxia”, anunciando o advento de uma “Terceira Roma”, após a católica e a bizantina.

Face a esses acontecimentos, os bispos daquela área, que então se chamava Rutênia e que hoje corresponde à Ucrânia e a uma parte da Bielorrússia, reuniram-se, em outubro de 1596, no Sínodo de Brest e proclamaram a união com a Sé Romana.

Eles são conhecidos como uniatas, por causa de sua união com Roma, ou greco-católicos, porque, embora submetidos ao Primado romano, conservaram a liturgia bizantina.

Os czares russos empreenderam uma perseguição sistemática à Igreja uniata que, entre os muitos mártires, contou com João (Josafá) Kuncevitz (1580-1623), arcebispo de Polotzk, e o jesuíta Andrea Bobola (1592-1657), apóstolo da Lituânia.

Ambos foram torturados e mortos por ódio à fé católica e hoje são venerados como santos.

A perseguição tornou-se ainda mais cruenta sob o império soviético. O cardeal Josyp Slipyj (1892-1984) , deportado por 18 anos nos campos de concentração comunistas, foi o último intrépido defensor da Igreja Católica ucraniana.

Hoje os uniatas constituem o maior grupo de católicos de rito oriental e são um testemunho vivo da universalidade da Igreja Católica.

Recepção ao Cardeal Slipyj na sede da TFP em São Paulo
O cardeal Josyp Slipyj (1892-1984) conversando com Plinio Corrêa de Oliveira
na sede da TFP em 1968
É mesquinho afirmar, como o faz o documento de Francisco e Kirill, que o “método do uniatismo”, se entendido “como a união de uma comunidade à outra separando-a da sua Igreja [originária]”, “não é uma forma que permita restabelecer a unidade”, e que “por isso, é inaceitável o uso de meios desleais para incitar os crentes a passar de uma Igreja para outra, negando a sua liberdade religiosa ou as suas tradições”.

O preço que o Papa Francisco teve que pagar por essas palavras exigidas por Kirill é muito alto: a acusação de “traição” lançada pelos católicos uniatas, sempre fidelíssimos a Roma. Mas o encontro de Francisco com o patriarca de Moscou vai muito além daquele de Paulo VI com Atenágoras.

O abraço de Kirill tende sobretudo a acolher o princípio ortodoxo da sinodalidade, necessário para “democratizar” a Igreja Romana. 

No que diz respeito não à estrutura da Igreja, mas à substância da sua fé, o evento simbólico mais importante do ano será contudo a comemoração por Francisco do 500º aniversário da Revolução protestante, prevista para outubro próximo em Lund, Suécia.

Fonte: “Corrispondenza Romana” (17 de fevereiro de 2015). Este texto foi traduzido do original italiano por Hélio Dias Viana.


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Um comentário:

  1. Encontro de dois vagabundos comunistas na miserável ilha cárcere comunista Cuba!

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