domingo, 27 de março de 2016

Kholmogorov: proposta de Kirill ao Vaticano:
algemar os greco-católicos sob o poder russo

Francisco I beija chefe cismático russo no aeroporto de Havana
Francisco I beija chefe cismático russo no aeroporto de Havana
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




O que visa o patriarca Kirill com sua manobra de aproximação do Papa Francisco?

O súbito e “milagroso” gesto do líder moscovita, empurrado por trás e por cima pelo seu patrão Vladimir Putin, foi repentino demais para não deixar de levantar agudas perguntas, logo depois do desconcertante encontro de Havana.

Alguns chegaram a supor a realização de obscuras profecias apocalípticas, inclusive de místicos cismáticos como Nicolai Berdaiev, sobre uma reconciliação das religiões monoteístas na iminência do Fim do Mundo e da segunda vinda de Cristo em pompa e majestade para encerrar a História e julgar vivos e mortos.

Mas, pondo de lado essas aplicações fantasiosas para o presente caso, o que se passou em Moscou para adoçar tão repentinamente a beligerância cismática contra Roma, vigente durante séculos?

O comentador nacionalista russo Yegor Kholmogorov, conhecido pelos seus posicionamentos afins com gestos gritantes de Putin, apresentou considerações muito mais próximas dos interesses do Kremlin. Elas foram reproduzidas pela agência EuromaidanPress.



Moscou, que pretende ser a Terceira Roma, quereria uma aliança com Roma. A Primeira Roma, segundo sua arbitrária qualificação teria sido o Vaticano antes de ser abandonada pelo Espírito Santo no século XI, e a segunda Roma teria sido Constantinopla antes de ter sido desprezada pelo Espírito Santo após cair nas mãos dos turcos em 1453.

A terceira Roma ,e o correspondente Patriarcado de Moscou, são meras ficções forjadas pelos czares para dar um fundamento religioso ao seu expansionismo militar para o sul.

Yegor Kholmogorov
Yegor Kholmogorov
Hoje, o patriarca grego de Constantinopla, Bartolomeu, está reduzido à última insignificância espiritual e material.

Embora revestido de um título histórico pomposo, ele mal consegue reunir um milhar de fiéis na grande festa da Páscoa, a mais importante no Oriente. E, ainda assim, fretando ônibus provenientes da Grécia.

Constantinopla, ou Istambul segundo o nome turco, é uma cidade maciçamente muçulmana. Nela, os cristãos de qualquer denominação são ferozmente perseguidos e até assassinados. Como aconteceu, aliás, com o Núncio da Santa Sé, Dom Luigi Padovese, apunhalado em junho de 2010 na cidade de Iskenderun.

Na Grécia, o patriarca de Constantinopla é detestado pelo Sínodo dos bispos gregos pelo fato de residir em território do inimigo ancestral: a Turquia.

Mas Kirill quer de Francisco algo muito mais importante para o Kremlin nas circunstâncias atuais. Algo perto do qual a lendária e desaparecida Constantinopla cristã vale bem pouca coisa.

Trata-se, para a Rússia, de abafar o dinâmico surto de catolicismo hostil ao comunismo, e portanto patrioticamente anti-russo, que se verifica na Europa Oriental, e muito especialmente na Ucrânia.

Segundo Kholmogorov, o Papa latino-americano sente uma consonância profunda com o cisma ortodoxo em muitas questões. Além do mais, sempre segundo o comentarista, Francisco I não se importaria com os problemas doutrinários, teológicos ou sociais, como faziam seus predecessores.

Desse Papa assim próximo, Moscou quer obter o abafamento dos ucranianos de rito greco-católico, aos quais se refere com menosprezo como “uniatas”.

Os greco-católicos ucranianos saíram das catacumbas da perseguição soviética em 1991 e, desde então, vêm progredindo velozmente no país. Aliás, eles atraem um número sempre crescente de fiéis que até há pouco se diziam “ortodoxos”.

Igreja greco-católica da Santíssima Ressurreição, Ivano-Frankivsk, Ucrânia. Os católicos estão em constante aumento e Moscou quer abafá-los.
Igreja greco-católica da Santíssima Ressurreição, Ivano-Frankivsk, Ucrânia.
Os católicos estão em constante aumento e Moscou quer abafá-los.
De fato, a Igreja Católica, e especialmente seu rito greco-católico, foi a única que não se vergou à opressão comunista russa. E voltou à luz aureolada com o prestígio da resistência genuína, religiosa e nacional, ao invasor anticristão e inimigo da pátria.

Stalin havia confiscado todos os bens católicos e assimilado ditatorialmente todas as igrejas cristãs ao Patriarcado de Moscou. Esse Patriarcado funcionou interesseiramente à sombra da ditadura marxista como mais um instrumento de opressão.

Assim que cessou a opressão, a parte ucraniana da igreja ortodoxa dependente do Patriarcado de Moscou literalmente explodiu. É difícil dizer quantos, quais e quão grande são seus fragmentos, mas nem entre eles conseguem contabilizá-los.

Baste mencionar que o chefe supremo na Ucrânia do cisma russo separou-se de Moscou e se autoproclamou patriarca de Kiev em luta contra o patriarca de Moscou, apontado como agente da potência materialista que chacinou milhões de ucranianos no genocídio conhecido como Holodomor.

Longe dessa liquefação material, moral e religiosa do cisma russo e de seus incontáveis subdivisões igualmente cismáticas, os greco-católicos progridem velozmente, bafejados pela graça divina.

Então, não podendo opor uma proposta religiosa sincera ou crível, Moscou quer que o Vaticano abafe esses “uniatas”, que ameaçam conquistar as bases populares de Moscou e daqueles que considera seus súbditos.

Se o patriarca russo não conseguir de imediato uma medida tão drástica da parte da Santa Sé, ele quereria pelo menos, escreve Kholmogorov, “obter do Vaticano uma garantia de um mínimo de neutralidade na guerra contra a igreja ortodoxa na Ucrânia” tocada pelos patriotas ucranianos.

Há um outro problema encostado no anterior A perspectiva de Kirill, fiel eco de Putin, é de que na Ucrânia há uma guerra religiosa e que os piores inimigos são os greco-católicos. Mas, nessa guerra, que tira o sono dos lideres da “nova Rússia”, pesa muito a anarquia instalada entre os cismáticos ditos “ortodoxos”.

O rito greco-católico (na foto seu arcebispo-mor D. Sviatoslav Shevchuk) está determinado a continuar inabalavelmente unido a Roma quaisquer sejam as adversidades.
O rito greco-católico (na foto: seu arcebispo-mor D. Sviatoslav Shevchuk) está decidido
a continuar inabalavelmente unido a Roma quaisquer sejam as adversidades.
Kirill e Putin também querem que o Vaticano intervenha para fazer o que Moscou não consegue: reunificar os cismáticos, como afirma a Declaração de Havana. Ou, pelo menos, que os greco-católicos fiquem “neutros” enquanto os agentes de Moscou procedem à “unificação”.

Essa “unificação” está sendo levada a cabo na Crimeia e no leste ucraniano ocupado. Mas é feita na ponta do revólver: quem não se filiar de novo ao Patriarcado de Moscou – seja católico ou cismático dissidente – sofre pesadas punições.

Muitos padres tiveram que fugir, suas igrejas foram confiscadas, e até alguns pastores protestantes apareceram mortos numa vala comum no leste ucraniano.

Para Kholmogorov, na reunião de Cuba, Kirill teria sugerido que a diplomacia vaticana assuma Moscou como o principal parceiro do diálogo com o Oriente, deixando num segundo plano os demais cristãos – greco-católicos, católicos latinos e os incontáveis estilhaços da “ortodoxia” oriental.

Segundo a proposta, o Vaticano deveria inaugurar “conversações imediatas com o cisma de Moscou, considerado como a maior das igrejas ortodoxas do mundo, que opera em sinfonia sincera com a Grande Rússia” [de Vladimir Putin].

Mas os ucranianos católicos e patriotas não querem saber disto. Eles já passaram por outras talvez piores, sob o sopro da graça divina emergiram vitoriosos da ditadura comunista-mocovita, e estão determinados a ficarem fiéis a seu glorioso passado patriótico e/ou católico.


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