Restos da prisão de Norilsk |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A cidade mais populosa do Ártico russo, com 46 graus abaixo de zero às 8 horas da manhã, está sumida na noite polar, mas as crianças vão para a escola como em qualquer dia normal de inverno.
Ela está fechada para os estrangeiros. O secretismo que envolve a cidade restringe até as poucas licenças concedidas à imprensa do exterior.
É “a pior cidade do mundo para viver”. Mas um jornalista de La Vanguardia de Barcelona acabou conseguindo a licença e contou o que viu.
A razão do mistério está encharcada de sangue, repressão e ditadura. Norilsk nasceu nos anos trinta do século XX e as galerias de suas minas foram escavadas por prisioneiros do gulag, vítimas dos expurgos stalinistas do Grande Terror.
Na península de Taimir há enormes reservas de níquel, cobre e platino, e ainda hoje a cidade de 170.000 habitantes é regida pela estatal Norilsk Nikel, da qual depende até o último detalhe da vida.
Norilsk não tem estrada, nem trem. Só se pode chegar de avião ou de rompe-gelo.
A cidade é uma das mais contaminadas do mundo. A neve cai preta, os rios são vermelhos, a chuva é ácida e quase todas as árvores morreram. A expectativa de vida é de 46 anos. A mineração e a indústria local jogam anualmente no ar 4.000 toneladas de dióxido de sulfuro.
Norilsk foi construída por prisioneiros políticos e étnicos do comunismo. Na foto, prisioneiros ucranianos. |
O passado de mão de obra escrava é um tema proibido. No museu poucas fotos relembram o terror soviético.
Elizaveta Obst, diretora da Sociedade de Defesa das Vítimas da Repressão Política, é filha de prisioneiros do gulag.
Ela ainda lembra nitidamente “as fileiras de prisioneiros rumando ao trabalho, rodeados por soldados e vigiados a todo o momento pelos cachorros”.
Elizaveta organiza palestras sobre o gulag de Norilsk e do Grande Norte russo a troco de uns escassos rublos que lhe permitem manter sua pequena sala presidida pelo retrato de Vladimir Putin e suas mínimas atividades.
A poucos metros fica o Teatro Dramático Polar, onde em dezembro foi estreada a obra “Aguarda-me… Regressarei”, que narra o infinito sofrimento de Vladimir Zuev, condenado no gulag de Norilsk.
Norilsk e suas 'chaminés do inferno' testemunhas do passado soviético. Um passado resguardado pela 'nova URSS' de Putin. |
Por que hoje não se pode visitar livremente Norilsk?
A “nova Rússia” de Vladimir Putin está empenhada em silenciar a lembrança dos milhões de cidadãos russos que padeceram e sucumbiram nos campos da morte comunistas.
Putin virtualmente fechou os memoriais abertos após a queda da URSS, que recuperavam a memória de incontável número de pessoas exterminadas e exibiam em todo o seu horror os campos de concentração, não inferiores aos nazistas.
O autoproclamado paladino do cristianismo, empenhado em restaurar a URSS visceralmente anticristã, abafa a lembrança de suas vítimas.
E faz tudo para manter quantidades imensas de sofridos cidadãos russos em esquemas como o de Norilsk, que muito se assemelham aos de Stalin, mas no III milênio!
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