O humor popular pegou o fundo político estilo URSS da Copa na Rússia |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Minutos após a Rússia vencer inesperadamente um jogo na “Copa Potemkin”, imagens do presidente Putin inundavam a internet na Crimeia pedindo ao czar igualitário do Kremlin que desse “um pedaço da Ucrânia para o goleiro russo”, informou “O Estado de S.Paulo”.
O evento esportivo funcionou como um pretexto para elevar a imagem do senhor todo-poderoso. E na Crimeia os torcedores comentavam que as vitórias inimagináveis da seleção só se explicavam por um vencedor: Vladimir Putin.
Para o regime, o Mundial devia reforçar o culto do chefe supremo, ainda quanto esse aproveitava a distração para acentuar a censura e as violações de direitos de opositores.
O prefeito de Sebastopol, Dmitry Ovsyannikov, diante de milhares de pessoas comemorou as realizações esportivas do líder de Moscou. O membro do partido de Putin mostrou que a classificação era um objetivo político: “o povo de Sebastopol mostrou que a Crimeia é Rússia.”
Absurdo? Não! Era a instrução que vinha do Kremlin!
Em Moscou, Igor Gielow enviado especial da “Folha de S.Paulo”, lembrou que na era soviética, os resultados esportivos eram muito sérios para a máquina de propaganda do regime comunista. Ele queria a prova física da superioridade ideológica materialista marxista.
Valia tudo para obter medalhas olímpicas. Inclusive truques sujos organizados pela KGB para melhorar o desempenho dos atletas. Leia-se doping.
A corrupção ajudou a reforçar a imagem da Rússia, herdeira da URSS. |
A FIFA escolheu a Rússia para sediar a Copa, mas montou uma comissão específica para cuidar do tema do doping, e concluiu que a seleção russa apresentou-se “limpa” à Copa.
Mas as sombras não se dissiparam. Na véspera da vitória sobre a Espanha, a estrela do time, Tcherichev, teve que negar ter tomado hormônio de crescimento como tinha sugerido seu próprio pai.
Mas o surpreendente desempenho do limitadíssimo time russo gerava suspeitas. E as absolvições da FIFA soaram pior, pois a entidade não é conhecida como exemplo de transparência e retidão e anda com a Interpol e a Justiça atrás.
Para a agência France Press, a organização do Mundial 2018 foi uma consagração do homem sem defeitos: Vladimir Putin.
Mas, isso é para impressionar Ocidente. Na Rússia, sua imagem veio abaixo quando a festa não tinha terminado. Severas medidas sociais se tinham abatido sobre o flagelado povo russo enquanto todos olhavam a bola.
As TVs do mundo mostravam Putin triunfando nas tribunas do estádio Loujniki, enquanto preparava seu encontro em Helsinque com Donald Trump, como se o dono de Moscou fosse um condutor do mundo.
Enquanto o “soft power” da guerra psicológica russa funcionava a toda no exterior, a opinião pública russa manifestava o mal humor de quem está muito longe da festa.
Para os fãs, uma boa imagem na Copa prepararia a hegemonia russa até militar |
O Instituto estatal VTsIOM apresentou uma queda ainda pior embora atribuindo maior popularidade (64%) ao presidente.
“O campeonato foi percebido positivamente, mas isso não tocava a vida real da população. O efeito foi puramente midiático”, explicou Lev Goudkov, diretor do centro Levada, alarmado pelo aumento do descontentamento.
A inquietação sobe continuadamente enquanto baixa o nível de vida. E esse não para de cair há mais de quatro anos. As aposentadorias foram diminuídas. Elas não diferem muito das bolsas e benefícios lulopetistas.
A diferença está em que o povo russo ficou acostumado a viver delas sem trabalhar e agora está sem a bolsa, sem trabalho, sem saber trabalhar e não querendo trabalhar de todo. Maravilhas do estatismo soviético.
2,6 milhões de russos assinou uma petição pedindo não tocar as aposentadorias e vários milhares de cidadãos saíram às ruas para protestar, fato pouco comum.
A polícia afastou as manifestações das cidades onde se jogava a Copa.
Os protestos foram sistematicamente ignorados pela mídia governamental – leia-se toda ela – especialmente pela TV, única mídia que atinge o país inteiro.
A Rússia carece de estradas e veículos privados e a Internet é sistematicamente censurada, excetuadas Moscou e São Petersburgo ‘para turista ver’. Oficialmente só valeu a imagem do ditador, como na ex-URSS.
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