Jornalista não-russo pode ser declarado “agente estrangeiro” na Rússia

'Agente estrangeiro' é uma figura enigmática que serve para reprimir qualquer um.
Fonte: "The Moscow Times"

Luis Dufaur

Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs

A câmara de deputados do parlamento russo estuda uma lei que declararia “agentes estrangeiros” aos jornalistas de outros países credenciados na Rússia, noticiou “Clarín”.

O projeto legislativo apresentado por 11 deputados e 4 senadores propõe colar o rótulo de “agente estrangeiro” em quem exerce atividade política ou coleta informações no campo técnico-militar e recebe dinheiro e outras ajudas do exterior.

O documento especifica que para ser declarado “agente estrangeiro” o correspondente deve exercer atividades “incompatíveis com a sua atividade profissional”. Da mesma forma, deve realizar "atividades relacionadas ao desempenho das funções de agente estrangeiro". Mas não é indicado a quais atividades específicas se refere.

O projeto reincide no propósito repressivo manifestado em normas anteriores. Em 2012 a Rússia colocou essa tacha, susceptível de gerar graves punições policiais, às ONGs e organizações de direitos humanos que recebiam financiamento do exterior, ameaçando as igrejas e associações de caridade religiosa.

Algumas ONGs, como o veterano Grupo Helsinque-Moscou, ficaram sem essa assistência para não ser rotulado com esse sinônimo infamante de “espião” e “inimigo do Estado”.

Uma organização declarada como “agente estrangeiro” deve se registrar no Ministério da Justiça da Rússia e apresentar relatórios regulares sobre sua atividade e financiamento.

Em 2017, uma reforma permitiu que a transmissão de mídia estrangeira em território russo fosse marcada, em resposta à ordem dada por Washington à televisão putinista RT (antiga Russia Today) para se registrar como tal nos EUA.

Os meios de comunicação declarados como agentes estrangeiros devem indicar esse status em seus produtos (artigos, programas de rádio ou televisão) e responder por sua atividade às autoridades russas.

'Agente estrangeiro' é um pretexto para reprimir a voz da oposição. Fonte Moscow Times

Em 2017, foi autorizada a veiculação desse rótulo na mídia, em atendimento ao pedido de registro da RT também nos Estados Unidos.

Em 2019, uma nova alteração estendeu esta medida a pessoas físicas que colaboram com meios de comunicação estrangeiros que já possuem a classificação de “agente estrangeiro” como pessoa jurídica.

Antes que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ratificasse essa mudança em dezembro, um grupo de ativistas de direitos humanos e personalidades culturais enviou-lhe uma carta argumentando que esse rótulo “desacredita a pessoa na frente de seus concidadãos e diminui sua dignidade apesar não ter feito nada de errado ou ilegal”.

E alegaram que restringe o direito dos cidadãos "de receber e divulgar livremente informações de qualquer fonte".

Um projeto de lei que proíbe a participação de agentes estrangeiros nas campanhas eleitorais na Rússia também foi submetido à Duma, disse Vasili Piskariov, chefe da comissão parlamentar para investigar os fatos de interferência estrangeira nos assuntos internos da Federação russa.

Piskariov acrescentou cinicamente ser “um pequeno acréscimo para que os agentes estrangeiros não possam participar das campanhas eleitorais”.

“As campanhas eleitorais são um assunto nosso, por isso os agentes estrangeiros não devem se envolver nelas”, afirmou sem mencionar o intervencionismo russo nas eleições de outros países como nos EUA.