Na farsa conhecida como 'Sínodo de Lviv' em 1946, por ordem de Stalin o Patriarcado de Moscou fechou a igreja greco-católica. |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Dezoito [e o número vem crescendo] personalidades russas e ucranianas “ortodoxas” publicaram um pedido de perdão ao rito greco-católico pelo crime de supressão do Catolicismo praticado pelo Patriarcado cismático de Moscou, informou a agência Zenit.
O atroz atentado foi efetivado em conluio com a ditadura comunista soviética, e aconteceu em 10 de março de 1946, há 70 anos.
“Nós lhes pedimos humildemente perdão por todas as injustiças das quais foram vítimas com a cumplicidade da autoridade da Igreja Ortodoxa e nos curvamos perante os mártires da Igreja greco-católica ucraniana”, diz o documento, intitulado “É urgente para os cristãos ortodoxos reconhecer a terrível verdade do 10 de março de 1946”.
Naquela data, um ilegítimo “Sínodo de Lviv” declarou extinta a Igreja Católica, confiscou todos os seus bens e os entregou ao Patriarcado de Moscou. Esse Patriarcado é hoje presidido pelo patriarca Kirill, que assinou recentemente, junto com o Papa Francisco, a Declaração de Havana.
O pedido de perdão foi entregue à agência Zenit por um dos signatários, Antoine Arjakovsky, diretor emérito do Instituto de Estudos Ecumênicos de Leópolis, diretor de pesquisa no Collège des Bernardins, de Paris, e autor do livro O que é a Ortodoxia?.
Entre os co-signatários figuram os sacerdotes Georges Kovalenko, André Doudtchenko, Michael Plekon, Christophe Levalois, André Louth, a poetisa e professora universitária russa Olga Sedakova, os filósofos Bertrand Vergely e Constantin Sigov, o presidente de Acer-Mjo [Ação Cristã de Estudantes Russos – Movimento de Juventude Ortodoxa] Cyrilo Sollogoub, o escritor americano Jim Forest, o professor universitário Daniel Struve, entre outros.
Antoine Arjakovsky lidera as personalidades que se penitenciam pelo crime do Patriarcado de Moscou. |
Os arquivos revelam que, em fevereiro de 1945, doze dias após a Conferência de Yalta, realizada entre Winston Churchill, primeiro-ministro inglês, Franklin D. Roosevelt, presidente dos EUA, e o próprio Stalin, ditador da Rússia, foi decretada a eliminação da Igreja greco-católica ucraniana.
Chegou assim, segundo o pedido de perdão, a “terrível verdade do dia 10 de março de 1946”, data em que executando as injunções de Stalin, a igreja ortodoxa russa anexou a Igreja greco-católica ucraniana num ato espúrio em Leópolis (ou Lviv).
“Quando, em 8 e 9 de março, os participantes do Sínodo votaram a favor da ‘reunificação’ da sua Igreja com o patriarcado de Moscou, todos os bispos greco-católicos ucranianos encontravam-se presos”, explicou o Prof. Arjakovsky. O fato é constatado no documento.
Naquela data, 216 sacerdotes e 19 leigos foram concentrados na catedral de São Jorge em Leópolis pelo NKVD (Comissariado do Povo para Assuntos Internos), precursor da KGB, que trabalhava a serviço de um “grupo de iniciativa” liderado pelos bispos “ortodoxos” Antony Pelvetsky e Myhailo Melnik.
Cenas do execrado Sínodo de 1946. |
Bohdan Bociurkiv, ex-professor de história na Universidade de Carleton de Ottawa, publicou sobre o assunto uma pesquisa jamais questionada.
Os historiadores e teólogos não têm nenhuma dúvida de que aquele “sínodo” tenha sido um “teatro”. Também Nicolas Lossky, teólogo ortodoxo francês membro do Patriarcado de Moscou, reconheceu que foi uma farsa.
Na data da supressão, o rito greco-católico na Ucrânia contava com mais de 5 milhões de membros. A partir de então, tornou-se, de fato, a principal vítima, mas, ao mesmo tempo, a principal força de oposição ao regime comunista dentro das fronteiras da União Soviética.
Os signatários da carta também formulam um pedido específico e radical: “Pedimos, portanto, às autoridades ortodoxas atuais na Rússia, na Ucrânia e em outros países, que reconheçam nulas as trágicas decisões do sínodo de Leópolis”.
Obviamente, o Patriarcado de Moscou, hoje tão submisso a Putin quanto naquela época a Stalin, nada quer saber dessa necessária reparação nem da restauração da Justiça, e tripudia contra a devolução dos bens roubados aos católicos.
Os autores do louvável pedido de perdão especificam que no todo a igreja ortodoxa russa “não pode ser considerada responsável pelas decisões que foram tomadas pelas autoridades eclesiásticas manipuladas ou ameaçadas pela NKVD-KGB”.
Mas isso não impede – escrevem – que os cristãos ortodoxos contemporâneos, que vivem 70 anos depois desses eventos, não se sintam “responsáveis pelo silêncio culpável que envolve a destruição desta igreja católica por obra do regime soviético com a participação do Patriarcado de Moscou”.
“Sabemos que milhões de cristãos ortodoxos de todo o mundo condenam fortemente as perseguições antirreligiosas do governo soviético, e de Josef Stalin em particular”, lê-se na carta.
O Patriarca de Moscou, almejaria crime semelhante contra os greco-católicos. Mas desta vez ao serviço de Putin, e não de Stalin, arguindo ecumenismo! |
O Prof. Antoine Arjakovsky elaborou um vídeo (em inglês e em russo) que reproduzimos no fim do post, onde explica a história desse “pseudo-sínodo”.
Em artigo publicado no jornal vaticano “L’Osservatore Romano” no dia 4 março, o metropolita Hilarion de Volokolamsk, porta-voz do Patriarcado de Moscou, em sintonia com a política de aproximação com os regimes comunistas ou afins e de ecumenismo promovida pela Santa Sé, havia convidado a se fazer “esforços comuns de ortodoxos e dos greco-católicos” ucranianos para superar a “hostilidade histórica”.
E Ele manifestou a vontade de que os católicos passem uma borracha em suas mentes e esqueçam o imenso crime coletivo cometido. Com carregada dose de cinismo, manifestou não querer de nenhum modo reconhecer a culpabilidade do Patriarcado que representa oficialmente.
Tampouco considera alguma forma de reparação da multidão de crimes, incluindo martírios de bispos, padres religiosos e leigos, bem como roubos e depredações praticados de braços dados com o comunismo estalinista.
O patriarca Kirill, de Moscou, comparte essas posições e talvez se sinta apoiado nisso pela Declaração de Havana.
FONTES
* Bohdan Bociurkiw, The Ukrainian Greek Catholic Church and the Soviet State (1939-1950), Canadian Institute of Ukranian Study Press, 1996 ; cf aussi B. Bociurkiw, « Le synode de Lviv », Istina, XXXIV, n°3-4, 1989.
* « Lettre du pape Benoît XVI au cardinal Lubomyr Husar du 22 février 2006 », Istina, n°2, 2006, p. 193.
* Commission mixte de dialogue théologique entre catholiques et orthodoxes, Catholiques et orthodoxes : les enjeux de l’uniatisme : Dans le sillage de Balamand, Paris, Bayard, 2014.
* Antoine Arjakovsky, En attendant le concile de l’Eglise Orthodoxe, Paris, Cerf, 2013.
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