Capa do The Economist de 2016 procurava discernir o enigma do putinismo ascendente. |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A revista britânica The Economist, a mais prestigiada no âmbito econômico, destacou o gosto de Vladimir Putin em confundir os outros.
Como ex-agente da KGB, diz a revista, ele se sente à vontade agindo na penumbra, sobretudo quando burla a lei. É o que viria fazendo desde o anúncio das mudanças constitucionais para mantê-lo no poder até 2036.
Pela atual Constituição deveria deixar a presidência em 2024, mas ele não tem a menor intenção de fazê-lo, diz o Economist.
Em 6 de março último prometeu que não repetiria a gerontocracia – governo oligárquico dos mais velhos – soviética, mas quatro dias depois, avisou exatamente o contrário à submissa Duma (Legislativo) que aprovou a reforma que o manterá no poder absoluto até atingir 83 anos de idade.
As declarações de Putin foram sombrias, segundo The Economist, e as emendas à Constituição são confusas e contraditórias. O objetivo, porém, é um só: Putin ficar com o poder absoluto reduzindo, a nada ou quase tanto, a autoridade dos eleitos e das normas internacionais.
A Duma aprovou a vontade da omniarquia –poderes totais – de Putin no sexto aniversário da anexação ilegal da Crimeia. E o Tribunal Constitucional, controlado por ele, também o confirmou e aguarda-se que ele seja feito pelo povo russo num referendo ‘fabricado’.
O referendo devia ocorrer no 150º aniversário do nascimento do fundador da URSS, Vladimir Lenin, mas foi remarcado para o dia 1º de julho, pois a epidemia segue fazendo horríveis estragos por lá.
Vladimir Putin tem modelos para escolher. Na foto com o ditador da Coreia do Norte |
Temendo manifestações da oposição, as assembleias públicas foram proibidas, sob o argumento da pandemia do coronavírus.
Para “El Mundo” de Madri, a nova Constituição apresenta como fachada um “coquetel conservador” que põe a ênfase em Deus, na família e na anexação ilegal da Crimeia.
Mas no interior do texto constitucional, a Federação Russa é proclamada sucessora legal da União Soviética, além de declarar “inaceitável” o “revisionismo histórico”, como por exemplo, relembrar o Pacto Ribbentrop Molotov de aliança entre Hitler e Stalin, a invasão conjunta da Polônia, entre outros.
Declara ainda ilegal qualquer concessão, ainda que meramente verbal, a respeito dos territórios que a Rússia acha seus, como a Criméia arrebatada à Ucrânia, as ilhas Curilas reclamadas ao Japão, e o retorno do Estado de Alaska, vendido no século XIX aos EUA.
A ambiguidade geral foi planejada e servirá para a interpretação do próprio Putin segundo as suas conveniências.
Ele não poderia mais ser presidente, mas ficaria com a chefia de um Conselho de Estado e de Segurança reforçados, que fazem do presidente da Federação um boneco em suas mãos.
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