domingo, 2 de fevereiro de 2020

Rússia testa sua Cortina de Fogo desconectando-se da Internet

Com a nova rede os russos ficariam presos numa Cortina não de Ferro mas digital
Com a nova rede os russos ficariam presos numa Cortina não de Ferro mas digital
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Enquanto o mundo celebrava o Natal, o Kremlin comemorava como sucesso ter conseguido desconectar o país inteiro da rede global da Internet.

O pretexto foi “testar a efetividade da Runet, um projeto para criar uma infraestrutura que mantenha em funcionamento a rede caso sofra uma ameaça global”, noticiou “Clarín” de Buenos Aires.

Os testes demoraram vários dias e foram conduzidos por organismos do Estado, fornecedores locais de serviços, empresas de Internet russas, mas não outras.

O vice-ministro russo das Comunicações, Alexey Sokolov, falou de exercícios para capacitar os operadores russos a “responder de forma efetiva a riscos e ameaças externas”.

A Rússia tenta há anos montar um sistema de algoritmos que permita à sua rede funcionar de modo totalmente incompatível com a rede mundial, ficando inacessível desde fora.

Moscou vinha promovendo seu projeto junto a países “amigos” em competição com o sistema chinês – apelidado “Grande Muralha de Fogo” –, utilizado por Pequim para censurar as comunicações de seus cidadãos dentro e fora da China.

O sistema chinês exige um verdadeiro exército – fala-se em mais de cem mil homens – dedicado a espionar e cortar as mensagens dos chineses que se desviem da linguagem ou ‘novilíngua’ socialista oficial.



Os espiões cibernéticos comandam computadores que denunciam instantaneamente o uso de palavras proibidas como “democracia”, “direitos humanos”, “liberdade”, “Cristo”, “religião” etc.

A mensagem “suspeita” não chegará ao destinatário, o autor terá seus dados checados com outros arquivos do regime repressivo e se vier a reincidir poderá até acabar num campo de trabalhos forçados.

Também grandes portais de comunicação como Google, Microsoft e Yahoo! foram fechados e substituídos por outros pertencentes ao governo.

A Cortina de Ferro soviética impedia materialmente a fuga para o Ocidente. O novo sistema visaria isolar a 'nova Rússia' ciberneticamente
A Cortina de Ferro soviética impedia materialmente a fuga para o Ocidente.
O sistema atual visaria isolar a 'nova Rússia' ciberneticamente
Quem procurar “Cristo” ou “democracia” poderá receber como resposta que a palavra não corresponde a nada existente no sistema.

O sistema de censura eletrônica chinês, entretanto, é suscetível de ser “furado”, pelo fato de usar a linguagem matemática da rede global. Por isso, a Rússia propõe a criação de um sistema cujo software matematicamente seja incompatível com o resto do mundo.

O projeto russo deseja ser ideal num contexto de guerra mundial cibernética.

Se uma guerra assim acontecer, o próprio sistema chinês poderia ser derrubado pelo adversário. E caso ele destrua o sistema inimigo, acabará se autodestruindo, porquanto foi construído sobre as mesmas lógicas de software.

Mas em tese o russo não seria assim, ficando como uma ilha virtual e, portanto, senhor cibernético da Terra.

Também seria muito útil aos hackers russos, que agiriam a partir de plataformas inacessíveis aos que não forem “amigos”.

Nesse sentido, segundo noticiou a agência oficial de notícias TASS, o vice-ministro Sokolov afirmou que os testes visam “garantir o funcionamento estável da Internet e da rede de telecomunicações unificada da Federação Russa”.

Reforçou assim a hipótese de uma desestabilização da rede mundial, enquanto a nova rede russa continuaria funcionando.

Sokolov explicou que foram testados vários cenários de desconexão, inclusive um que simulava um ataque cibernético hostil de um país estrangeiro.

As centrais de ataques cibernéticos russos ficariam inacessíveis
As centrais de ataques cibernéticos russos ficariam inacessíveis
Outro teste mensurava a segurança do sistema nas comunicações móveis mais usadas pelas unidades em combate, e ainda outro testava a atividade dos funcionários em infraestruturas críticas, ou sofrendo ataques virtuais do adversário.

Mas Sokolov não forneceu nenhum detalhe técnico sobre os referidos testes. Tampouco explicou exatamente no que eles consistiam, deixando tudo em segredo, menos um ponto: visam um inimigo externo.

“Os cenários que analisamos não são exaustivos do ponto de vista das ameaças que investigamos. Continuaremos”, disse enigmaticamente.

Sokolov anunciou que os resultados serão apresentados ao presidente Putin em 2020.

A agência de notícias russa RosBiznesKonsalting (RBK) acrescentou que o Grupo de Trabalho de Segurança da Informação recomendou testar as redes de comunicação dos cidadãos.

A finalidade seria ver se há ameaças que requerem medidas adicionais, inclusive o fechamento da Internet global em todo o país e o bloqueio de “certos conteúdos inapropriados”.

Leia-se: silenciar dissidentes, opositores ou meros usuários que não procuram ou veiculam o que diz o Kremlin.

Um condicionante deve ser levado em consideração. O governo russo tem mentido tanto sobre fabulosas invenções e superarmas, que fica pairando uma dúvida sobre a verdadeira eficiência do sistema cibernético anunciado.



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