domingo, 19 de janeiro de 2020

Unidade 29155: subversivos e assassinos russos em ação

Envenenadores do ex espião russo Serguei Skripal e de sua filha Yulia, membros da unidade 29155, flagrados em Salisbury, Inglaterra
Envenenadores do ex espião russo Serguei Skripal e de sua filha Yulia,
membros da unidade 29155, flagrados em Salisbury, Inglaterra
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Uma campanha coordenada e em andamento para desestabilizar a Europa tem como instrumento insidioso uma unidade de elite da inteligência russa especializada em subversão, sabotagem e assassinatos, denunciou o jornal “The New York Times”.

O primeiro ardil detectado foi a campanha de desestabilização na Moldávia.

Logo depois foi o envenenamento de um traficante de armas búlgaro e um golpe frustrado no Montenegro que devia incluir o assassinato do primeiro ministro e a tomada do Parlamento.

Mais um golpe em 2018 foi a tentativa de assassinato um ex-espião russo e sua filha na Grã-Bretanha usando um veneno nervoso.

Todas essas operações tiveram as impressões digitais dos serviços de inteligência russos, mas as autoridades ocidentais as consideraram ataques isolados e não interligados, diz o jornal.


Hoje, o sistema de segurança ocidental concluiu que essas operações, e potencialmente muitas outras, foram articuladas e executadas total ou parcialmente pela Unidade 29155.

É uma unidade militar que age há pelo menos uma década, mas as autoridades ocidentais só a identificaram recentemente.

Autoridades de inteligência de quatro países ocidentais não veem claro a frequência com que essa entra em ação e por isso alertam que é impossível saber quando e onde seus agentes atacarão. O fator mistério ajuda à efetividade do crime a ser praticado.

A Unidade 29155 põe em relevo até que ponto o presidente russo Vladimir Putin age ativamente contra o Ocidente, escreve o jornal.

Putin fala no centenário do serviço de inteligência militar no Teatro do Exército Russo, em Moscou.
Putin fala no centenário do serviço de inteligência militar
no Teatro do Exército Russo, em Moscou.
A unidade é peça chave de sua peculiar “guerra híbrida” – uma combinação de propaganda, hackers e desinformação. Mas também serve num confronto militar clássico.

“Acho que esquecemos o quão desapiedados podem ser os russos”, disse Peter Zwack, oficial de inteligência militar aposentado e ex-adido de defesa da Embaixada dos EUA em Moscou, quando soube da rede montada pela unidade.

Escondida atrás dos muros de concreto da sede do 161º Centro de Treinamento para Fins Especiais do leste de Moscou, a unidade integra a hierarquia de comando da agência de inteligência militar russa, conhecida como G.R.U.

Embora muitas das operações da G.R.U. sejam feitas no mistério, as agências de inteligência ocidentais formaram uma visão mais clara de sua arquitetura.

Nos meses que antecederam a eleição presidencial americana de 2016, duas ciberunidades da G.R.U., conhecidas como 26165 e 74455, invadiram os servidores do Comitê Democrata Nacional e da equipe de campanha de Clinton e introduziram comunicações internas embaraçosas.

Em 2018, Robert S. Mueller III, promotor especial que investigou a interferência russa nas eleições de 2016, acompanhou mais de uma dúzia de agentes dessas unidades, embora nenhum tenha sido preso.

As equipes de hackers geralmente operam a partir de Moscou, a milhares de quilômetros de seus alvos. Mas, os oficiais da Unidade 29155 viajam para países europeus.

Alguns são veteranos fogueados nas guerras mais sangrentas da Rússia, incluindo Afeganistão, Chechênia e Ucrânia. Suas operações são tão secretas que a existência da unidade é provavelmente desconhecida até mesmo para outros agentes da G.R.U.

Uma fotografia tirada em 2017 mostra o comandante da unidade, general Andrei V. Averyanov, no casamento de sua filha, vestindo um terno cinza e uma gravata borboleta.

Na foto está o coronel Anatoly V. Chepiga, um dos processados na Grã-Bretanha pelo envenenamento do ex-espião, Sergei V. Skripal.

“Esta unidade da G.R.U. se manteve ativa ao longo dos anos em toda a Europa”, disse um oficial de inteligência europeu que falou sob sigilo.

“É uma surpresa que os russos desta unidade tenham se sentido livres para desenvolver sua atividade maligna extrema em países amigos. Foi um choque”.

Andrei Averyanov (esq) é o chefe da Undade 29155. Anatoly Chepiga (dir) é apontado pelo crime na Inglaterra contra Skripal.
Andrei Averyanov (esq) é o chefe da Undade 29155.
Anatoly Chepiga (dir) é apontado pelo crime na Inglaterra contra Skripal.

A agenda da unidade só ficou clara após o envenenamento, em março de 2018, de Skripal e sua filha Yulia.

O envenenamento levou a um confronto geopolítico no qual mais de 20 países, incluindo os EUA, expulsaram 150 diplomatas russos.

Os dois suspeitos foram identificados como coronel Chepiga e Alexander Mishkin. Foram acusados do transporte do agente nervoso para a casa de Skripal em Salisbury e de pulverizá-lo na porta de entrada.

Um ano antes, três agentes da Unidade 29155 viajaram para a Grã-Bretanha, para treinar o crime.

Dois oficiais que usavam os nomes de Fedotov e Pavlov fizeram parte de uma equipe que tentou envenenar o traficante búlgaro Emilian Gebrev em 2015.

Em fevereiro de 2018, na Conferência de Segurança de Munique, Alex Younger, chefe do MI6, serviço britânico de inteligência estrangeira, falou aos repórteres da crescente ameaça russa sem mencionar uma unidade específica apontando o envenenamento de Skripal e a tentativa de golpe no Montenegro.

“Avaliamos que há uma ameaça permanente por parte da G.R.U. e os outros serviços de inteligência russos para os quais pouquíssimas coisas são proibidas”, acrescentou.

O Kremlin acredita que a Rússia está em uma guerra quase religiosa contra a ordem ocidental que acusa de liberal, capitalista e globalista, e pretender criar um Governo Mundial que ameaça a existência do antigo império dos sovietes.

Em cerimônia realizada em novembro no centenário da própria G.R.U., Putin, que foi oficial de inteligência, fez uma conexão direta entre os espiões do Exército Vermelho e os oficiais dessa GRU, cujas “habilidades únicas” agora são aplicadas contra um inimigo diferente.

Em 2006, Putin aprovou lei que legaliza assassinatos pontuais no exterior. No mesmo ano uma equipe de assassinos russos usou um isótopo radioativo para matar Aleksander V. Litvinenko, outro ex-espião russo, em Londres.

Nos registros públicos russos há pistas sobre a função da Unidade 29155 na estratégia híbrida geral do Kremlin.
Putin ensina aos oficiais da inteligência russa, GRU, que o campo de batalha é global e incessante
Putin ensina aos oficiais da inteligência russa, GRU,
que o campo de batalha é global e incessante

Em 2012, o Ministério da Defesa da Rússia atribuiu bônus a três unidades por “realizações especiais no serviço militar”.

Uma era a Unidade 29155. Outra foi a Unidade 74455, que participou da interferência nas eleições de 2016. A terceira foi a Unidade 99450, envolvida na anexação da Crimeia em 2014.

Um oficial aposentado da G.R.U. disse que a Unidade 29155 se especializou em missões “em grupos ou individualmente: ataques a bomba, assassinatos, qualquer coisa”.

“Eles eram oficiais que trabalhavam disfarçados e como agentes internacionais”.

As fotografias da antiga sede da unidade, mostram inúmeras prateleiras de armas variadas: fuzis belgas FN-30, alemães G3A3, austríacos Steyr AUG e americanos M16.

Havia até um formulário descrevendo um regime de treinamento que incluía exercícios de combate corpo a corpo. O G.R.U. aposentado confirmou a autenticidade das fotografias, publicadas por um blogueiro russo.

O atual comandante, general Averyanov foi formado na Academia Militar de Tashkent, na então República Soviética do Uzbequistão.

Ganhou a Medalha de Herói da Rússia, a mais alta decoração do país, em janeiro de 2015. Os dois oficiais responsáveis por envenenar Skripal também receberam esse prêmio.

Averyanov mora em um edifício em ruínas da era soviética, a poucos quarteirões da sede da unidade e dirige um sedã desconjuntado fabricado na Rússia.

Esses crimes rodeados de secretos fazem parte da guerra psicológica, explicou Eerik-Niiles Kross, ex-chefe de inteligência da Estônia.

Eles querem que se ache que estão por toda parte, porque isso faz parte do jogo de meter medo no adversário-vítima, completou o especialista.



2 comentários:

  1. Uma observação: o texto diz que Putin fez um pronunciamento na comemoração do centenário da criação da República Popular da China; entretanto, como se sabe, os comunistas chineses chegaram ao poder em 1949, portanto há setenta anos.

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    1. Correto! Agradecemos a advertência. Falhamos: foi no discurso no centenário do G.R.U. que é o Departamento Central de Inteligência, abreviado como GRU é a agência de inteligência militar estrangeira do Estado-Maior das Forças Armadas da Federação Russa. Desde 2010, o nome completo oficial da agência é a Direção Central do Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia. Cfr. Departamento Central de Inteligência na Wikipedia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Departamento_Central_de_Intelig%C3%AAncia
      Já introduzimos a modificação necessária.
      Gratos,

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