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| Agentes russos se diziam argentinos entrando na Eslovênia, depois foram recebidos por Putin na volta a Rússia |
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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
O “New York Times” denunciou que a Rússia forma espiões no Brasil onde apagam os rastros de seu passado russo.
Abrem empresas, fazem amigos, vivem romances e criam identidades verossímeis de brasileiro que os habilitam a grandes operações de espionagem.
Com elas, depois entram nos EUA, Europa ou Oriente Médio, mas alguns foram pegos pela contra-inteligência brasileira.
A polícia argentina descobriu idêntica linha de montagem de falsas identidades argentinas para agentes secretos russos que agem no mundo.
Nos últimos três anos, agentes da contra-inteligência brasileira investigaram esses espiões de forma silenciosa e metódica. Com um trabalho minucioso, descobriram um padrão que permitiu identificá-los, um a um, descreveu longa e pormenorizada reportagem do “The New York Times” reproduzida em espanhol pelo "La Nación" de Buenos Aires.
Os agentes identificaram ao menos nove oficiais russos com identidades brasileiras, segundo documentos e entrevistas. Até hoje, seis deles eram conhecidos apenas pela polícia.
A investigação já alcançou ao menos oito países, com o apoio de serviços de inteligência dos Estados Unidos, Israel, Holanda, Uruguai e outros aliados ocidentais.
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| Espião russo que fingia ser brasileiro |
Desmontar a fábrica de espiões do Kremlin foi uma resposta aos prejuízos causados por uma década de ofensiva russa.
Espiões russos ajudaram a derrubar um avião que decolou de Amsterdã em 2014, interferiram em eleições nos Estados Unidos, na França e em outros países, envenenaram adversários e planejaram golpes de Estado.
Mas foi a decisão do presidente Vladimir Putin de invadir a Ucrânia, em fevereiro de 2022, que desencadeou uma reação global contra espiões russos, até mesmo em locais onde, por anos, eles atuaram com relativa impunidade.
Entre esses lugares está o Brasil, que historicamente manteve relações amistosas com a Rússia.
A investigação brasileira deu um golpe certeiro no programa de “ilegais” de Moscou.
Desmantelou um grupo de agentes altamente treinados e difíceis de substituir. Ao menos dois foram presos; outros bateram em retirada para a Rússia. Com as identidades expostas, é improvável que voltem a atuar no exterior.
À frente dessa derrota extraordinária esteve a equipe de contra-inteligência da Polícia Federal brasileira, a mesma que investigou o ex-presidente Jair Bolsonaro por planejar um golpe.
De sua moderna sede envidraçada em Brasília, a equipe passou anos vasculhando milhões de registros de identidade em busca de padrões.
Em abril de 2022, poucos meses após a invasão russa da Ucrânia, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA, na sigla em inglês) enviou uma mensagem urgente e inesperada à Polícia Federal brasileira.
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| Infiltração no Brasil |
O candidato a estagiário viajava com um passaporte brasileiro em nome de Victor Muller Ferreira. Com essa identidade, concluiu uma pós-graduação na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
Mas, segundo a CIA, seu nome verdadeiro era Sergey Cherkasov. Barrado pela imigração holandesa, ele seguia em um voo com destino a São Paulo.
Seu passaporte azul era idêntico ao de qualquer brasileiro. Ele tinha título de eleitor, como exige a lei, e até um certificado de conclusão do serviço militar obrigatório.
Todos os documentos eram autênticos. “Não havia qualquer ligação entre ele e a ‘grande mãe’ Rússia”, disse um policial federal, que falou sob condição de anonimato, como os demais, já que a investigação está em andamento.
Apenas quando a polícia encontrou sua certidão de nascimento é que a história de Cherkasov e toda a operação russa no Brasil começaram a desmoronar.
No passado, espiões russos costumavam obter documentos usando nomes de pessoas mortas, muitas vezes bebês.
Desta vez, foi diferente. Os agentes confirmaram que Victor Muller Ferreira nunca existiu, embora ele tivesse uma certidão de nascimento autêntica.
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| Brasil seria uma base para espiões russos |
O próprio Putin admitiu ter supervisionado espiões soviéticos enquanto servia como um jovem oficial da KGB na Alemanha Oriental, no fim da Guerra Fria.
O Brasil parecia o lugar ideal para os espiões escolhidos por Putin construírem suas identidades.
Embora vários países exijam comprovação médica para emitir certidões de nascimento, o Brasil faz uma exceção para nascidos em áreas rurais. Nesses casos, autoridades emitem o documento a quem declarar, na presença de duas testemunhas, que o bebê é filho de pelo menos um dos pais brasileiros.
Com a certidão de nascimento em mãos, basta solicitar o título eleitoral, os documentos militares e, por fim, o passaporte.
A partir daí, o espião pode viajar para quase qualquer lugar do mundo.





