domingo, 17 de maio de 2020

Desinformação de Putin visa abalar confiança na medicina ocidental

Na KGB, Putin se familiarizou com campanhas de desinformação desestabilizadoras
Na KGB, Putin se familiarizou com campanhas de desinformação desestabilizadoras
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Em 3 de fevereiro, logo após a Organização Mundial da Saúde OMS ter declarado o coronavírus uma emergência de saúde global, começou uma chuva de notícias falsas desde Moscou acusando o exército dos EUA ter criado e espalhado uma arma biológica para incapacitar e matar, registrou “The New York Times”.

A mentira dizia existirem provas “irrefutáveis” pouco se importando que os principais cientistas na matéria tivessem desmascarado a alegação.

Uma vasta investigação desse insuspeito jornal engajado nas causas de esquerda, quis tirar a limpo as acusações de fake news espalhadas pelo governo Putin.

E descobriu com base em farta documentação que o Kremlin espalha informações erradas sobre saúde há pelo menos uma década.

A “máquina de trolls” veio espalhando que as epidemias virais são semeadas por cientistas americanos e que suas vacinas são enganosas e visam objetivos sinistros. Não assim as que Putin promove em casa.

“Trata-se de sabotar a confiança nas instituições do governo” americano, disse Peter Pomerantsev, autor de um livro de 2014 sobre a desinformação do Kremlin.


O presidente russo explora mídia aberta, trolls secretos e blogs obscuros para apresentar as autoridades sanitárias americanas como patrocinadoras de fraudes inconfessáveis.

O Departamento de Estado acusou a Rússia de usar milhares de contas das redes sociais para espalhar informações errôneas sobre o coronavírus, inclusive a teoria de que os EUA projetaram a pandemia mortal.

“O acúmulo dessas operações por um longo período de tempo resultará em um grande impacto político”, justificou Ladislav Bittman, ex-oficial de desinformação do bloco soviético, ao explicar a lógica de longo prazo do Kremlin.

Lyudmila Savchuk trabalhou como troll para Putin e denunciou a fábrica russa de fake news
Lyudmila Savchuk trabalhou como troll para Putin
e denunciou a fábrica russa de fake news
Sandra C. Quinn, professora de saúde pública da Universidade de Maryland, acompanha os boatos sobre vacinas que Putin espalha há mais de um lustro.

E verificou que a equipe do presidente russo usa manuais antigos, mas a velocidade das informações mentirosas impede ao leitor-vítima fazer qualquer verificação.

Putin se formou na KGB, principal agência da polícia política e espionagem da União Soviética, de 1975 a 1991.

Ele chegou a tenente-coronel, e seu mandato de 16 anos coincidiu com uma grande operação para desviar a atenção do arsenal secreto de armas biológicas de Moscou, construído em contravenção ao tratado assinado com os EUA em 1972.

A KGB excogitou ainda que a AIDS foi uma arma racial do exército americano e teve um enorme sucesso.

Em 1987, notícias falsas nessa linha eram publicadas em 25 idiomas e 80 países. Após a Guerra Fria, os russos admitiram que os alarmes eram fraudulentos.

Putin expandiu o manual para atacar a confiança no sistema de saúde americano.

Seu principal disseminador de notícias falsas foi o Russia Today, que ele fundou em 2005 em Moscou; mas que em 2008, foi renomeada para RT, para obscurecer as origens russas.

Os vídeos de Russia Today – RT, em YouTube, desde 2005 teria tido mais de quatro bilhões de visualizações.

Quando a gripe H1N1 varreu o mundo a rede difundiu as teorias conspiratórias de Wayne Madsen, que se diz jornalista investigativo.

Em junho, Madsen disse pela RT que os fabricantes de vírus haviam trabalhado no Instituto de Pesquisa Médica do Exército de Doenças Infecciosas em Fort Detrick, Maryland. O trabalho do instituto é precisamente o contrário.

Exacerbando o delírio calculado, Madsen comparou os criadores do H1N1 aos cientistas loucos de “Jurassic Park” que no filme ressuscitam dinossauros.

Em 2012, recém nomeado chefe do exército russo, general Valery Gerasimov, expôs uma nova doutrina de guerra que enfatizava as redes sociais para dividir os estrangeiros.

General Valery Gerasimov: uso escancarado de forças militares: só na fase final do conflito
General Valery Gerasimov: uso escancarado de forças militares
só na fase final do conflito
Nesse ano os trolls de São Petersburgo começaram a passar pelo Facebook, Twitter e Instagram rajadas de informações perturbadoras visando insuflar a polarização social nos EUA.

A RT tirou da galera um certo Cyril Broderick, apresentado como ex-patologista de plantas que escrevia num jornal liberiano acusando a conspiração americana de transformar africanos em cobaias de armas biológicas, e reavivou o realejo da Aids.

Os trolls em São Petersburgo inflacionaram a alegação no Twitter falando de um vírus mortal “feito pelo governo” enquanto um artista de hip-hop Chris Brown espalhava a 13 milhões de seguidores no Twitter que o “Ebola é uma forma de controle populacional”.

A campanha de desinformação da saúde de Putin ataca em qualquer lugar.

Um vídeo do YouTube mostrou uma falsa vítima de ebola na Libéria ingressando no Centers for Disease Control and Prevention, a principal agência de saúde pública dos EUA no final de 2014.

O vídeo enganoso incluía um falso caminhão com o logotipo do aeroporto de Atlanta enquanto uma onda de tweets espalhava: “Pânico aqui no ATL!!”.

À medida que as mentiras passavam o Kremlin reciclava velhas montagens sem aguardar novas epidemias.

Em 2017, os trolls russos voltaram com a história da AIDS citando falsamente ao Dr. Robert Gallo, que em 1984 ajudou a debelar o HIV, mas inventando que foi ele que o havia projetado para dizimar a humanidade. Como fundamento citavam um site, o World Truth, cujo nome diz o contrário do que faz.

Seis pesquisadores da Universidade da Califórnia, Los Angeles, descobriram que, ao longo de décadas, as falsas narrativas sobre a AIDS criaram uma “falta de confiança” entre os afro-americanos, que os afastava do atendimento médico.

Em sentido contrário, Putin pavoneava confiança absoluta na medicina russa: “Garanto que recebo minhas vacinas a tempo, antes do início da temporada de gripe” dizia em entrevista de 2016. E em 2018 repreendia aos pais russos que não vacinavam os filhos.

Mas Putin trabalhava duro para que os americanos vissem suas vacinas como perigosas e as autoridades de saúde como malévolas.

Durante anos, os tweets originários de São Petersburgo alegaram que a agência de saúde americana amordaçou um denunciante para esconder evidências de que as vacinas causam autismo, especialmente em crianças masculinas afro-americanas.

Em uma série de tweets de 2015, os trolls russos promoveram um vídeo de um ministro negro de Los Angeles discursando que “eles estão nos matando com agulhas”.

A agência oficial Sputnik é outra das peças chaves russas para embaralhar as informações no Ocidente
A agência oficial Sputnik é outra das peças chaves russas
para embaralhar as informações no Ocidente
O ministro e o texto que acompanha o vídeo alegavam que as imunizações infantis haviam causado autismo em 200.000 crianças negras.

RT America ecoou a acusação. O foco era “Vaxxed: From Cover-Up to Catastrophe”, um filme de 2016 de Andrew Wakefield, um desacreditado ativista em vacinas.

Trolls russos dispararam tweets contendo links para o filme e angariando fundos para sua promoção.

A desinformação induziu uma queda na vacinação de crianças nos EUA e um aumento no sarampo, que em bebês e crianças pequenas, pode causar febre e danos cerebrais.

O site de Moscou que retweetou o blog do coronavírus em fevereiro pertence a uma agência de notícias russa chamada The Russophile.

Seu ignoto autor aparece no Twitter como um soldado não identificado de uniforme verde que se ufana de “não pertencer à elite globalista”.

Seu endereço é um imponente prédio ao lado dos escritórios da Lukoil, gigante petrolífera russa em mãos de um oligarca incondicional de Putin.

“É uma nuvem de influenciadores russos”, disse Darren L. Linvill, professor de comunicações na Clemson University, que estudou milhões de postagens de trolls.

Os agentes de inteligência da máquina de trolls incluem ex-funcionários da RT e das equipes digitais de Yevgeny Prigozhin, um oligarca secreto e de toda confiança de Putin, que sustenta os trolls de São Petersburgo.

Linvill e seu colega Patrick L. Warren argumentam que Putin mais do que criar mentiradas busca amplificar a cacofonia americana existente, elevando o nível de confusão e discórdia partidária.

Em 5 de março, Lea Gabrielle, chefe do Centro de Engajamento Global do Departamento de Estado, que busca identificar e combater a desinformação, disse em audiência no Senado que Moscou explora o surto de coronavírus como mais uma oportunidade de semear o caos e a divisão e “tirar vantagem de uma crise de saúde em que as pessoas estão aterrorizadas”.

Yevgeny Prigozhin é o diretor de confiança do Kremlin na guerra das fake news
Yevgeny Prigozhin é o diretor de confiança do Kremlin na guerra das fake news
O Ministério russo das Relações Exteriores rejeitou a acusação do Departamento de Estado, mas não foi levado a sério.

Oleg Kalugin, um ex da KGB, explicou ao The Times a razão de ser desses desmentidos: “Negue, negue, negue, ainda quando a verdade seja óbvia”.

Pequim copiou a cartilha de Putin declarando que o coronavírus foi criado por Washington como arma para aleijar a China.

Putin disseminou narrativas de saúde falsas e alarmantes, não apenas sobre patógenos e vacinas, mas também sobre ondas de rádio, genes de bioengenharia, produtos químicos industriais e outros intangíveis da vida moderna.

Os tópicos complicados muitas vezes desafiam a compreensão do público, tornando-os vítimas ideais para assimilar a confusão sobre o que é seguro e perigoso.

Os analistas veem um esforço não apenas para minar as autoridades americanas, mas também para realizar algo mais básico: danificar a ciência americana, uma das pilastras da organização dos EUA.

Pesquisadores americanos ganharam mais de 100 prêmios Nobel desde 2000 e russos cinco. Geograficamente, a Rússia é o maior país do mundo, mas sua economia é menor que a da Itália.

Mas, sua guerra de desinformação é a mais sistematizada e permanente na Terra inteira, um subcapítulo do que Nossa Senhora advertiu em Fátima: “a Rússia espalhara seus erros pelo mundo inteiro”.


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