domingo, 11 de novembro de 2018

Independência de igrejas cismáticas ucranianas
abala plano russo de conquista

Putin tem necessidade do Patriarcado de Moscou para satisfazer suas ânsias conquistadoras
Putin tem necessidade do Patriarcado de Moscou
para satisfazer suas ânsias conquistadoras
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






O Patriarcado de Moscou sempre foi fiel e útil instrumento religioso para o expansionismo dos czares primeiro e do regime bolchevista depois, malgrado os dois lhe tenham propinado humilhante tratamento.

O mesmo faz Putin perpetuando o maquiavelismo amoral e os projetos de hegemonia imperial de seu admirado mestre Stálin.

Ele vem manipulando esse Patriarcado, espúrio mas enganosamente influente no mundo russo e alhures com esse fim.

Um dos sonhos de Moscou consiste em submeter o mundo da “ortodoxia”, quer dizer do cisma herético gerado na revolta de Constantinopla em 1054, ao governo do Patriarcado de Moscou.

Esse é controlado por agentes da ex-KGB, hoje articulados na putinista FSB encarregada das mesmas tarefas “sujas” de sua predecessora.

Os ambientes comuno-progressistas acariciam a mesma ideia, aguardando essa unificação para tentar uma quimérica fusão ecumênica entre o Ocidente representado pelo Vaticano e o Oriente representado por Moscou.



Vendo-os cair nessa fantasia, Putin esfrega as mãos de maquiavélico estratego.

Mas, agora, o plano sofreu um inopinado golpe.

Bartolomeu I, autoproclamado patriarca ecumênico da “Nova Roma” (Constantinopla) e “primeiro entre iguais” entre as cismáticas Igrejas Ortodoxas, reconheceu a “autocefalia”, ou independência, das igrejas cismáticas na Ucrânia. A decisão foi adotada durante um Sínodo na islâmica Istambul.

Bartolomeu está reduzido à última expressão eclesial, quase sem seguidores na muçulmana Constantinopla (Istambul para os turcos). Conserva, porém, no mundo cismático, o triste prestigio de continuador doe Fócio e Miguel Cerulário fautores principais do péssimo grande cisma do Oriente.

Para Kiev, a decisão de Bartolomeu I foi um sucesso político contra o ativismo putinista do Patriarcado de Moscou, escreveu “The Guardian” de Londres.

Dito Patriarcado defende a ilegal anexação da Crimeia e o apoio russo aos separatistas do leste ucraniano, pois essa é a vontade política do chefe inescrupuloso do país.

Se a vontade do omniarca mudasse para o outro lado, o Patriarcado entortava a língua na hora.

Os Patriarcas Bartolomeu de Constantinopla e Kiril de Moscou ontem se abençoavam.
Agora se amaldiçoam. Quanto durará? O prejudicado é Putin
“A decisão [de Bartolomeu] desmentiu as ilusões imperialistas e as fantasias chauvinistas de Moscou”, comemorou o presidente ucraniano Petro Poroshenko.

“Está em jogo a nossa independência, nossa segurança nacional, nossa soberania, é uma questão de geopolítica mundial”, acrescentou.

O gesto de Bartolomeu soou como uma bofetada no rosto do próprio Putin. Um porta-voz do Kremlin reconheceu que o líder russo se sente “extremamente atingido” e que seu regime “defenderia os interesses dos crentes ortodoxos” na Ucrânia em caso de “ações ilegais”.

Ele já usou sofismas análogos para invadir a Crimeia.

A ideia de Putin e dos ideólogos a seu serviço é que há um único “mundo russo” com uma única igreja e uma única cultura representada pelo Patriarca Kiril de Moscou, ele também agente treinado pela polícia secreta soviética KGB.

Kiril ameaçou romper relações com Bartolomeu. A disputa do ponto de vista religioso é tão medianamente relevante quanto a ruptura entre dois arcebispos protestantes. A verdadeira gravidade e impacto da fratura se faz sentir no expansionismo político e militar russo.

O bispo Hilarion Alfeyev, espécie de ministro de relações exteriores do Patriarcado de Moscou, se encontrava em Roma assistindo ao Sínodo da Juventude e correu a implorar o auxílio do Papa Francisco, segundo o site desse Patriarcado.

O pontífice o recebeu prontamente "num clima de amabilidade" não se tendo dados sobre o combinado entre ambos.

A independência dos cismáticos ucranianos não só rebaixa ainda mais as expectativas do ecumenismo, mas expõe de modo até desprestigiante as divisões internas entre os cismáticos.

O Patriarcado de Moscou correu a pedir o auxílio do Vaticano para manter o controle cismático da Ucrânia
O Patriarcado de Moscou correu a pedir o auxílio do Vaticano
para manter o controle cismático da Ucrânia
Ela pode levar cristãos sinceros em direção à Igreja Greco-Católica já muito numerosa na Ucrânia. Mas esse seria visto como um movimento espiritual ("uniatismo") condenado em declaração conjunta do Papa Francisco e do Patriarca Kiril na Declaração de Havana. Confira: Declaração de Havana: vitória do Kremlin será efêmera

Mas, em sentido contrário, o povo ucraniano mais ligado ao cristianismo do que às novas teorias pseudo-religiosas, parece não ter tomado conhecimento dessa fátua proibição.

Hilarion protestou pela TV russa: “nós não reconheceremos essa autocefalia, e não teremos outra opção senão cortar as relações com Constantinopla.

“O patriarca de Constantinopla não terá mais o direito de ser tratado de líder dos 300 milhões de ortodoxos do planeta. Pelo menos a metade desses não o reconhecerá em absoluto”.

É claro que o Patriarcado de Moscou, e o próprio Hilarion, têm menos ainda autoridade para exigirem para si o reconhecimento enquanto líderes dos ortodoxos do planeta.

Enquanto se propaga o desentendimento nas seitas dirigidas por Moscou, as igrejas cismáticas ucranianas tendem a se unir para se livrar da escravidão que exigem os vassalos do dono do Kremlin.

Hilarion também esbravejou contra um suposto complô americano por trás do fato, segundo a velha e gasta fórmula da propaganda soviética.

Filarete, autoproclamado Patriarca de Kiev após ser metropolita na Ucrânia a serviço do Patriarcado de Moscou nos tempos da falida URSS, hoje é um áspero crítico do presidente russo, chegando a dizer que está possuído por Satanás, segundo noticiou a agência Forbes.

Injúrias do gênero são muito frequentes no “mundo da ortodoxia” onde pode se discutir quem pertence e em que medida – maior ou menor – ao pai da mentira.

O valor dos impropérios mútuos é mais ligado à dependência de cada um da renovada KGB e à sua transformação em ações de força policial da FSB.

Filarete foi um oficial da polícia secreta russa e leal servidor do estado ateu soviético. Hoje o jogo político mudou. Ele discrepa de Putin por razões patrióticas e a KGB e a FSB não têm poder efetivo na Ucrânia, excetuados os atentados.

O desprestígio trazido pelas fraturas entre cismáticos favorece o apostolado dos greco-católicos ucranianos já muito numerosos
O desprestígio trazido pelas fraturas entre cismáticos
favorece o apostolado dos greco-católicos ucranianos já muito numerosos
Putin tem necessidade de aparecer e se fotografar com membros do alto clero, qualquer que seja a religião, mas com muita insistência com os chefes do Patriarcado de Moscou, especialmente do patriarca Kiril. E também com o Papa Francisco.

Isso é um requisito chave da propaganda para seduzir o povo russo, e aos “idiotas úteis” do Ocidente.

Putin multiplica suas manifestações públicas de “fé” por ânsia de poder. Ditos gestos não influenciam a prática religiosa dos russos.

É fato que as práticas religiosas crescem enormemente na Rússia, mas é por fora das encenações do líder do Kremlin e dos bispos do Patriarcado de Moscou.

Almocei várias vezes com um jovem universitário moscovita de passo em São Paulo. Ele me contou que sua família era “ortodoxa” mas só pisava a igreja na Páscoa. E que fugia de qualquer contato com o clero “ortodoxo” porque não acreditava em seus sacerdotes.

Explicou-me que entre os fiéis cismáticos russos esses clérigos têm fama de mafiosos, de pessoas perigosas das quais é bom ficar longe.

Exemplificou-me com o Patriarca Kiril que, segundo ele, anda rodeado de guarda-costas em carros blindados em virtude de escuras lutas pelo controle do tráfico de tabaco.

O povo liga intensamente seu sentimento religioso à identidade nacional e por isso Putin o explora, explicou a agência Forbes.

Putin sabe que precisa explorá-lo se quiser se perpetuar no poder.

Por isso, acrescenta Forbes, o presidente ucraniano Poroshenko pode dizer que a decisão de Bartolomeu põe em cheque as 'ilusões imperiais' do ditador russo.

No total, a declaração de Bartolomeu implicou numa vitória política para a Ucrânia, numa perda para a Rússia e seu esforço de projeção mundial.

Está trazendo também uma diminuição do prestígio de Putin no interior de seu próprio país.



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