domingo, 25 de fevereiro de 2018

Jornalista tenta investigar os trolls rusos
e recebe ameaças de morte

Jessikka achou que iria investigar uma realidade como qualquer outra. E ficou apavorada com o que lhe aconteceu
Jessikka achou que iria investigar uma realidade como qualquer outra.
E ficou apavorada com o que lhe aconteceu
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






A jornalista finlandesa Jessikka Aro não imaginou o que sofreria em carne própria ao pretender se informar sobre o exército de trolls russos.

Ela própria acabou contando ao jornal “Clarin” de Buenos Aires os inesperados desagradáveis que lhe aconteceram após ter tentado penetrar o mundo “dos propagandistas pro Kremlin nas redes sociais”.

Ela no imaginou que ingressaria numa guerra invisível onde as táticas consistem em assediar, desalentar, intimidar e caluniar.

O centro do campo de batalha é as redes sociais, onde os trolls – usuários contratados para assediar, criticar ou provocar – criam contas ou perfis falsos, inventam seguidores, multiplicam ataques reproduzindo-os em outras contas ou perfis fake (falsos), mentindo sem remorso.

Não se trata de uma pura novidade. Isso já existia no jornalismo. E segue existindo mas de um modo potencializado pelos recursos tecnológicos.

Da versão antiga desse abuso falou o grande pensador católico Carlos de Laet, Presidente da Academia Brasileira de Letras, em 1902:

“Tirania da imprensa! Sim, tirania da imprensa...

“Contai o número imenso de homens que não figuram, que não podem figurar na imprensa.

Jessikka tirou imprudente selfie diante da  Internet Research Agency, famosa central de trolls em São Petersburgo.
Jessikka tirou imprudente selfie diante da Internet Research Agency,
rua Savushkina 55, famosa central de trolls em São Petersburgo.
“Contai, por outra parte, o minguado número de jornalistas, – e dizei-me se não se trata do temeroso predomínio de um grupinho de homens sobre a quase totalidade do seus concidadãos.

“E que poder exerce esse grupo minúsculo? Enorme”. Veja mais em “Professora da Sorbonne denuncia ditadura sutil e implacável da mídia”

Os combates nesse campo foram sendo adaptados à era digital e às redes sociais enquanto os jornais e revistas impressos vão fechando um após outro.

O jornalismo velho estilo estrebucha e polemiza contra o exército dos trolls fautores de um mundo de falsas informações. Mas, está perdendo a hegemonia.

A jornalista Jessikka Aro trabalha para a YLE (ou Yleisradio Ou, a rádio estatal finlandesa) e ganhou o Prêmio Bonnier de Jornalismo, uma espécie de Pulitzer sueco.

Aro conta no artigo A guerra no ciberespaço: propaganda e trolling como ferramentas de guerra que a Rússia tenta manipular as redes sociais “e seu novo instrumento bélico são os trolls”.

Jessikka quis saber até onde esse exército sem rosto articulado pelo Kremlin modificava a opinião pública finlandesa.

Ela estava acostumada ao sistema democrático onde não deixa de haver opiniões falsas e perfis anônimos que tentam influenciar o debate público até com marketing, mas que agem no respeito de certos limites.

Mas Jessikka descobriu outro mundo, o do trolling teledirigido por Moscou, que não tem regra nem moral.

Ludmila Savchuk, ativista que foi contratada como 'troll'. Contou como funciona o 'exército do fake' por dentro
Lyudmila Savchuk, ativista que foi contratada como 'troll'.
Contou como funciona o 'exército do fake' por dentro.
Veja Exército de comentaristas fantasmas russos age na Internet
Na investigação, descobriu que ”algumas vitórias consistem em ameaçar as pessoas até o ponto de silencia-las e manipula-las com uma mistura de verdades e mentiras.

“O pior achado foi que muita dessa gente virava propagandista após ter sido submetida à desinformação do Kremlin (...) Inclusive pessoas bem educadas passaram a difundir mensagens de ódio criminal como verdades”.

Segundo Aro, “os trolls visam sobre tudo converter os jornalistas em seus mensageiros”.

Infiltrar a mídia foi uma cobiçada meta das redes soviéticas no tempo da Guerra Fria. A URSS se destacou pela sua habilidade em penetrar os órgãos jornalísticos ocidentais, até os mais respeitados, e pô-los a trabalhar pela causa comunista.

Por isso, para Arno “o jornalismo deve voltar a ser fiel aos fatos, conferi-los e preservar a confiança da opinião pública. Desse modo os trolls não poderão destruir a verdade”.

Mas isso é precisamente o que não está acontecendo. E a grande mídia, com um viés cada vez mais esquerdista, vai se extinguindo no desprestígio e no desinteresse perdendo cada vez mais a confiança do público.

Sem querer mudar esse viés, ela tenta abafar as redes sociais. Mas o problema da oposição mídia tradicional enviesada X redes sociais intoxicadas de fake news não se resolve um abafando o outro. Tratar-se-ia de ganhar a confiança dos leitores com informação séria.

Nessa disputa turba, prospera o exército de desinformação russo, com uma máquina que produz falsos, até delirantes, mas seletivamente direcionados.

Curiosamente os superpoderes midiáticos que deblateram contra as redes quanto essas ecoam o conservadorismo ambiente, silenciam meticulosamente a existência da guerra da informação de Putin e camaradas.

Lyudmila Savchuk registrou furtivamente os interiores da Internet Research Agency
Lyudmila Savchuk registrou furtivamente
os interiores da Internet Research Agency
A repórter finesa acha que os trolls estão minando a “confiança dos usuários [das redes sociais]. Na medida em que os trolls podem por em circulação suas mensagens de ódio, Facebook, Twitter e Youtube verão como as pessoas civilizada abandonam suas plataformas”.

“A fábrica de trolls russos” montou uma máquina para explorar Facebook em favor de sua propaganda. O fundador da rede, Mark Zuckerberg, encomendou uma investigação oficial.

Aro viajou a São Petersburgo e Moscou onde localizou as “granjas” de trolls, grupos de pessoas recrutadas com anúncios como: “procura-se especialista em redes sociais”, ou “operadores de Internet”, ou “gestores de conteúdos”, ou “redatores para turnos diurnos e noturnos”. Os anúncios prometem um emprego bem pago a tempo completo.

Conheceu os bots bubbles ou bolhas robóticas que promovem perfis multiplicando as “curtidas” ou “comprando” seguidores nas redes sociais.

Mas Aro não estava numa democracia. Sua atividade foi detectada e sua vida passou a ser alvo de ataques e ameaças selvagens.

A jornalista russa Alexandra Garmazhapova, de Novaya Gazeta de São Petersburgo, conseguiu ingressar numa “fazenda de trolls” e descobriu como funcionava.

Cada troll escrevia 100 comentários por turno, desde diversas contas falsas e com o mesmo tom de assédio, ameaça e mentira. Alexandra recebeu ordem de escrever, mensagens difamatórias contra políticos russos, opositores de Putin.

A jornalista russa Alexandra Garmazhapova, também conseguiu ingressar numa “granja de trolls”
A jornalista russa Alexandra Garmazhapova,
também conseguiu ingressar numa “granja de trolls”
Não se sabe o que foi de Alexandra. Mas Aro paga a conta até hoje. Os serviços secretos russos tiraram a luz episódios de seu passado e os expuseram nas redes sociais.

O seus conhecidos acabaram acreditando em falsidades publicadas contra ela: que ela seria uma “espiã” e “narcotraficante” por exemplo. As ameaças pessoais se multiplicaram.

Uma sigla em inglês passou a sintetizar o objetivo dos trolls desencadeados contra ela: FUD (Medo, Incerteza, Dúvida).

A velha estratégia desmoralizadora que adaptada à era virtual hoje é usada por um exército sem rostro as 24 horas com total impunidade.


domingo, 4 de fevereiro de 2018

O Kremlin tenta silenciar,
mas as “heroínas do Gulag” falam

Os restos dos campos de trabalho, ou Gulag, ainda salpicam a geografia russa. Mas Putin quer que não se fale disso.
Os restos dos campos de trabalho, ou Gulag, ainda salpicam a geografia russa.
Mas Putin quer que não se fale disso.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






A máquina de propaganda do Kremlin ainda hoje tenta silenciá-las, mas as “heroínas do Gulag” não temem contar os sofrimentos indizíveis que passaram na rede de campos de concentração soviéticos, ou Gulag, onde eram encerrados os “inimigos do povo”, prisioneiros políticos e opositores do regime.

No livro “Vestidas para um baile na neve” (Galaxia Gutenberg, 2017) Monika Zgustova recolheu alguns de seus estarrecedores relatos, conta reportagem de “El Mundo” de Madri.

“O complexo da fome está comigo até hoje”, lembra Janina Misik, uma das nove sobreviventes entrevistadas.

Elas eram obrigadas a trabalhar do alvorecer até o pôr do sol e só recebiam 300 gramas de pão para sustento. Por vezes lhes davam sopa de couve podre, mas quando não havia deviam se contentar com água requentada.

Como chegaram até lá?

Janina levantou-se da cama por volta das cinco da manhã de 10 de fevereiro de 1940. Homens da NKVD, predecessores da KGB e da atual FSB, berravam na sua porta.