Poetas punidos com 5 e 7 anos de cárcere por poesia contra a guerra na Ucrânia |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Putin governa Rússia desde 1999. Nesses anos ficou excluída qualquer oposição séria, mas a repressão se acelerou desde a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022.
Nos últimos dois anos, milhares de russos, opositores ou cidadãos comuns, foram condenados pelos tribunais por terem criticado a ofensiva contra a Ucrânia. Às vezes com penalidades particularmente severas, noticiou a TV “France 24”.
Artiom Kamardine e Iegor Shtovba foram presos em setembro de 2022 após participarem de uma leitura pública em Moscou, na Praça Triumfalnaya, perto do monumento ao poeta Vladimir Mayakovsky, ponto de encontro de dissidentes desde os tempos soviéticos.
No dia seguinte, ele foi preso durante uma busca em sua casa, durante a qual alegou ter sido espancado e estuprado por policiais.
Processados inicialmente por “incitamento ao ódio”, os dois poetas foram depois também acusados de “apelos públicos à realização de atividades contra a segurança do Estado”.
“Vergonha” gritavam os apoiadores de Artiom Kamardine, 33 anos, e de Iegor Chtovba, 23 anos, no anúncio deste julgamento, a esposa do primeiro gritando-lhe que o amava, notou um jornalista da AFP presente na audiência.
Centenas foram presos pondo flores em memorial a Navalny. Mais de 200 sofreram penas |
“Todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que outros. Nossos filhos se mostraram desiguais na luta contra eles”, brincou sua mãe, Elena.
Pouco antes de a sentença ser pronunciada, Artiom Kamardine leu alguns versos sobre poesia, o que segundo ele permite “quebrar o silêncio” e “colocar as tripas na mesa”. “A poesia é a vitória sobre o tempo e o caminho do prisioneiro, do cativo”, recitou.
Ele também disse à imprensa que “não desistiu” e não “se arrependeu”. “Muitas pessoas da cultura que admiro tiveram experiências na prisão”, disse ele.
Durante a leitura da sentença, Artiom recitou o poema “Mate-me, miliciano!”, hostil aos separatistas pró-russos no leste da Ucrânia.
“Não sou um herói e ir para a prisão pelo que penso nunca fez parte dos meus planos”, disse Artiom ao tribunal no seu discurso final, publicado no Telegram pelos seus simpatizantes.
Implorando ao juiz que o deixasse “voltar para casa”, prometeu em troca manter distância de qualquer “assunto delicado”.
Sua esposa, Alexandra Popova, lamentou à AFP uma sentença “muito severa”. “Sete anos para poesia, por uma ofensa não violenta”, ressaltou.
Prisão é o destino de quem não opina como Putin |
“Por mais que quiséssemos acreditar no fundo que as coisas seriam mais tranquilas, mais fáceis”, era “uma loucura ter esperança”, continuou ela. “Se tivéssemos tribunais normais, esta situação não existiria.”
Ela foi levada pela polícia após falar com a imprensa.
Um terceiro poeta, Nikolai Daïneko, preso na mesma época, foi condenado a quatro anos de prisão em maio, segundo o OVD-info.
A Rússia tem vindo a suprimir vozes críticas durante anos, mas a campanha de repressão assumiu proporções consideráveis com o lançamento da ofensiva contra a Ucrânia.
De acordo com o OVD-Info, quase 20.000 pessoas foram presas na Rússia por se oporem ao conflito na Ucrânia desde fevereiro de 2022. A ONG Memorial lista 633 presos políticos atrás das grades, informou “La Nación”.
Em novembro, a artista Alexandra Skotchilenko, detida em abril de 2022, foi condenada a sete anos de prisão por substituir etiquetas de preços num supermercado com mensagens denunciando a ofensiva na Ucrânia.
A artista Alexandra Skotchilenko presa pelo crime de deixar dizeres em supermercado contra a guerra na Ucrânia |
De acordo com uma nova lei em vigor desde março de 2022, todos podem ser condenados. Mas a repressão é particularmente dura contra os intelectuais.
Entre 24 de fevereiro de 2022, data da invasão da Ucrânia, e 3 de dezembro de 2023, 19.884 pessoas foram detidas por manifestarem oposição à guerra, segundo a ONG russa OVD-Info, especializada no monitoramento de detenções e brutalidades policiais.
As sentenças vão de seis, sete, oito a até 25 anos de prisão. A pena mais dura foi infligida ao oposicionista Vladimir Kara-Mourza.
Yegor Balazeïkine (17 anos), foi condenado em novembro de 2023 a seis anos de prisão por um tribunal militar de São Petersburgo, por ter tentado atear fogo a um centro de recrutamento.
Quase 300 mulheres e homens se apinham nas celas, sejam opositores, simplesmente perseguidos, Testemunhas de Jeová ou tártaros da Crimeia.
A ONG de direitos humanos Memorial, aliás interditada e que teve fechados os seus museus dos Gulags soviéticos, estima que há um total de 1.352 presos políticos.
Comparado com os 144 milhões que constituem a população russa, o número pode parecer modesto. O problema é que aumenta exponencialmente.
Segundo a mesma organização, antes de Mikhail Gorbachev chegar ao poder, os presos políticos não ultrapassavam os 700.
“A repressão não faz distinção de idade ou profissão: pode ser uma aposentada ou uma jovem sem influência. A mensagem que o Kremlin envia é que ninguém está seguro”, afirma Olga Prokopieva, porta-voz da Rússia-Liberdades.
“E as penas são muito duras. Ao mesmo tempo, os criminosos são perdoados (prisioneiros recrutados nas prisões para sedrem enviados à “moedora de carne na frente ucraniana). É assustador”, acrescenta.
Ela reconhece, no entanto, que o poder putinista exerce uma repressão particular contra os intelectuais.
Na região de Tver, por exemplo, a produtora audiovisual Ludmila Razumova (56 anos) foi condenada a sete anos de colônia penal juntamente com o marido por ter publicado um vídeo nas redes sociais sobre “o uso das Forças Armadas Russas para destruir cidades e civis da Ucrânia”.
Jornalista Maria Ponomarenko condenada por ser contra a invasão da Ucrânia |
A jornalista da RusNews Maria Ponomarenko (45 anos) foi condenada a seis anos de prisão por um artigo sobre o bombardeio do teatro dramático de Mariupol, na Ucrânia.
Ela foi presa em abril de 2022, em São Petersburgo e depois foi transferida a 4 mil quilômetros de distância para o centro de detenção provisória de Barnaul, na região de Altai.
Em março de 2023 foi encaminhada a um hospital psiquiátrico por se recusar a se despir na frente da polícia, e mais uma segunda vez em outubro. Pouco depois foi apresentada à força perante uma comissão disciplinar, descalça e algemada, por ter “pisado nos pés” dos agentes penitenciários.
Tal como nos tempos da União Soviética, os juízes e as administrações penitenciárias recorrem cada vez mais à psiquiatria punitiva. Muitos presos políticos também sofrem maus-tratos, tortura e privação de cuidados médicos.
Boris Akunin, um dos escritores russos mais famosos, foi rotulado de “terrorista” e suas obras foram retiradas da venda.
Dois anos depois do lançamento da “operação militar especial” de Putin contra Ucrânia, a armadilha judicial fechou-se em torno deste ensaísta e romancista que, com a sua caneta amarga, critica Vladimir Putin e denuncia “a guerra” (é crime chamar assim a “operaçao especial”, termo oficial).
Rosfinmonitoring, a agência federal de inteligência financeira, incluiu Akunin no registro de terroristas e extremistas. A polícia revistou as edições de Zakharov que distribuem os seus livros, e uma investigação de “difamação” do exército forçou as livrarias a retirar “As Aventuras de Eraste Fandorin” e todos os seus outros best-sellers dos seus catálogos.
Poeta foi surrado e violado por ler poesia anti-guerra |
“A loucura venceu”, lançou ele em 24 de fevereiro de 2022, descrevendo a ofensiva militar russa na Ucrânia como uma “guerra do absurdo”. Ele tampouco conteve as críticas a Putin: “A Rússia é liderada por um ditador que é mentalmente desequilibrado e, pior ainda, obedece à sua paranóia”, declarou.
No exílio, co-fundou o projeto “Nastoïachtchaïa Rossia” (Verdadeira Rússia) com outras personalidades culturais que fugiram do país.
“A repressão tornou-se intermina. A qualquer momento a lâmina pode cair sobre qualquer um de nós”, confidencia outra figura da autoproclamada “classe criativa anti-Putin”.
Por questões de segurança, este renomado escritor prefere permanecer anônimo porque, ao contrário de Boris Akunin, decidiu continuar morando na Rússia.
“É o meu país. Não é minha função partir. Mas escrever sobre o atual ambiente de guerra e repressão é impossível”, lamenta.
Quando pode, aproveita as bolsas europeias para deixar a família na Rússia e passar algumas semanas no estrangeiro.
Circularam mensagens nas redes sociais russas acusando-o de traição e extremismo, e de ser “um agente estrangeiro” devido aos seus contactos ocidentais.
Artistas renomadas aguardam julgamento |
Evguenia Berkovitch, conhecida diretora de teatro, aguarda seu julgamento desde o verão. Oficialmente, ela é acusada de “defender o terrorismo” depois de um programa sobre o destino de mulheres recrutadas por islâmicos sírios.
Mas o seu grande pecado foi denunciar o Kremlin e sua ofensiva militar. No entanto, um público bastante jovem e intelectual tem a coragem de frequentar o pequeno teatro independente onde são apresentadas as suas obras, numa Moscou quase subterrânea.
Poucos dias antes do Natal, uma de suas criações terminava com um poema de outro autor: “Não vale a pena escrever, não vale a pena ler, é impossível acabar com a guerra ou começar a viver. Já é noite e você não consegue ver quase nada. A grama está coberta por uma névoa impenetrável”.