Emmanuel Macron encarnou um europeismo que os franceses não desejam |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
“Entre a cólera e a peste”: assim a terceira cidade francesa, Marselha, percebeu a opção entre os candidatos presidenciais Macron e Le Pen, refletindo uma sensação difusa no país.
Os jovens eleitores pensavam “nem um nem outro". Nem Le Pen nem Macron. Em Paris, os estudantes universitários assumiram o lema de “Ni” sem o menor entusiasmo.
“Não tenho escolha a não ser votar em Macron”, sintetizou um jovem eleitor. Alguns votaram no comunista Mélenchon para cortar o caminho de Le Pen. E depois votaram em Macron para parar Le Pen, mas não acharam um candidato que os representasse.
Nesta eleição os partidos tradicionais, conservadores ou socialistas, saíram pulverizados, comentou “Clarín”.
Mais uma sombra repudiada pela maioria dos franceses aumentou a repulsa dos candidatos da extrema direita e da extrema esquerda que lidavam pelo segundo lugar na primeira volta: a dos crimes de Vladimir Putin na Ucrânia.
Cumpria-se a estratégia do filósofo panteísta russo Alexander Dugin, íntimo de Putin: “Nós os embaralhamos passando do direitismo ao esquerdismo e vice-versa. Seduzimos ao mesmo tempo a extrema-direita e a extrema-esquerda”.
Exemplo de embaralhamento na primeira volta: habitualmente as percentagens oficiais iniciais de pouca entidade numérica não falam o resultado final.
As agências de notícias russas Tass e a Ria Novosti, pinçaram números oficiais de pequenas áreas em que a candidata preferida pelo Kremlin aparecia em primeiro lugar e difundiram sem cessar que ela ganhou a presidência, observou o “Huffington Post”.
Na Rússia a manipulação não fazia efeito, pois o povo já está habituado a que o governo minta sempre. A desinformação só podia afetar o Ocidente.
As agências russas Tass e Ria Novosti funcionaram como caixa de ressonância de Marine Le Pen |
No último debate antes de votação final, o presidente francês invectivou a candidata Marine Le Pen.
“Digo com muita seriedade, você depende do poder russo e de Putin. Você pegou um empréstimo em 2015 de um banco russo próximo ao governo e depois o repassou a atores envolvidos na guerra na Síria, (...) teus interesses estão ligados aos da Rússia”, registrou “Le Figaro”.
Em 2014, a Frente Nacional – agora Rassemblement National – recebeu um empréstimo de 9,6 milhões de euros do banco russo First Czech-Russian Bank (FCBR), fechado em 2016 por operações de lavagem de dinheiro. O empréstimo não foi reembolsado, mas o caso se resolveu num acordo amigável em 3 de junho de 2020.
O oponente Alexei Navalny hoje preso na Rússia pediu aos franceses não votar em Marine Le Pen porque é “uma venda de influência política para Putin”.
“Esse banco é uma agência de lavagem de dinheiro criada por Putin” acrescentou Navalny, que ficou famoso investigando a corrupção da elite russa.
Marine Le Pen justificou o empréstimo porque os bancos franceses lhe negavam crédito. “Somos um partido pobre, e isso não é desonroso”, respondeu a candidata, que se descreveu “totalmente livre”.
A historiadora Françoise Thom, especializada em questões russas, destacou um paradoxo: os franceses são sensíveis ao martírio da Ucrânia, mas parecem ter votado por candidatos pro-Rússia – Le Pen e o comunista Melenchon – como se não percebessem que está em jogo sua liberdade. Cfr. Desk Russie.
Os partidos kremlinófilos ocupam a extrema esquerda e a extrema direita do leque partidário. Mas tudo se passa como se na hora de estabelecer a hierarquia dos perigos, o único adversário fosse a “hegemonia americana”.
A flagrante falta de julgamento que é um mau presságio para a França, tem uma explicação: a persistência da propaganda stalinista, escreve Thom.
Esses partidos de um modo explícito na esquerda ou camuflado na direita articulam velhos discursos oriundos no Kremlin.
Stalin levantou a bandeira do nacionalismo e apresentou a URSS como a campeã da soberania dos estados europeus diante de um projeto de “subjugação” da Europa pelos EUA. Putin repete essa pregação sofística.
Pouco importava estar impondo sua ditadura nos países da Europa Central e Oriental, instalando o terror e multiplicando prisões, deportações e grandes julgamentos. Tampouco hoje importavam as injustiças e massacres de inocentes na Ucrânia.
O ideólogo stalinista Andrei Zhdanov formulou o sofisma para Stalin: “A escravização da Europa baseia-se em uma ofensiva contra a soberania nacional […] ao qual se opõe a ideia de um governo mundial. … A URSS defende os direitos soberanos de todas as nações, grandes e pequenas”.
O heroísmo ucraniano fez acordar as fibras adormecidas da verdadeira França. |
Trocados os nomes, o desatualizado anticolonialismo da Internacional Comunista volta nos ideólogos putinianos, na África e no Oriente Médio.
As duas faixas de sofismas permitem a junção do extremismo de direita e o de esquerda defendida por Dugin para desestabilizar as sociedades ocidentais.
Mas a manobra se desmascarou com a resistência dos ucranianos que evocaram os 300 heróis lendários das Termópilas segurando um imenso exército invasor, diz Thom
Em Mariupol, conclui a historiadora, a bravura dos resistentes prenuncia um renascimento das retas consciências, e o desfazimento das falácias putinistas e de seus cúmplices ocidentais.
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