domingo, 4 de dezembro de 2022

A graça de Fátima agindo na Ucrânia


Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Deus quer que sua glória tenha realizações históricas nos povos, razão pela qual os russos e os ucranianos, na presente guerra, atraem as atenções universais.

A Rússia foi a única nação apontada por Nossa Senhora em Fátima, em relação com o triunfo de seu Imaculado Coração.

Quando Ela apareceu, em 1917 a Ucrânia integrava a Rússia, da qual ela é o próprio berço.

Agora Deus permite essa guerra, não sendo difícil considerar sua relação com a Mensagem de Fátima e o Reino de Maria nela anunciado.

Talvez o leitor fique surpreso com o silêncio que se faz sobre os planos de Nossa Senhora. Para entender melhor essa situação, é preciso voltar no tempo.

Batismo da Rússia


Até o ano de 988 o mundo eslavo de origem étnica viking incluía, numa imensidade territorial sem muita organização, as futuras Ucrânia, Rússia, Bielorrússia e partes de outros países.

Caudilhos se impunham pela força das armas e usavam títulos de czares, césares, reis ou análogos.

O nome Rus ou Rutênia significaria “remadores”, pois os vikings dominavam os grandes rios das estepes remando em seus barcos.

Naquele ano a primazia era de Kiev, hoje capital da Ucrânia, onde com a morte do príncipe Igor assumiu a regência (945 a 969) a viúva Santa Olga.

Ela foi a primeira soberana eslava batizada (em 945 ou 957), recebendo o nome cristão de Yelena em memória da imperatriz de Constantinopla.

Santa Olga defendeu o trono de seu filho Sviatoslav I contra rebeliões ferozes.

Não conseguiu convertê-lo, mas seu neto, São Vladimir o Grande, reinou de 980 até 1015 com os títulos de Grão-Duque de Kiev e de todas as Rússias, ou ‘Tsar de todas as Rússias’.

São Vladimir o Grande, príncipe de Kiev e primeiro ‘Tsar de todas as Rússias
 São Vladimir o Grande, príncipe de Kiev e primeiro ‘Tsar de todas as Rússias
São Vladimir foi batizado perto de Sebastopol (Criméia), cidade que possui uma catedral com seu nome.

Depois voltou para Kiev, onde toda a sua família e o povo pediram o batismo.

Tudo isso na década do ano 990. O Batismo de Kiev levou o mundo eslavo a se tornar católico.

O príncipe abateu os monumentos pagãos, destruiu os ídolos, combateu a bebedeira, trabalhou pela conversão de seus súditos e edificou numerosas igrejas, entre as quais a da Dormição da Virgem, primeiro templo em pedra do país.

O Patriarca de Constantinopla doou à nova catedral um esplêndido mosaico de Nossa Senhora. De Moscou só se tem uma primeira notícia no ano 1147.

Cisma diabólico e santo “uniatismo”

O demônio, que já agia no seio da Igreja, assanhou-se contra o império eslavo e católico nascente.

O Papa Pio XI explicou o fato na encíclica Ecclesiam Dei, de 11-11-1923.

No ano 1054, o patriarca de Constantinopla, Miguel I Cerulário (1000-1059), provocou o Grande Cisma do Oriente, infestado de heresias.

Ele era a cabeça do rito greco-católico estabelecido por São João Crisóstomo e, qual novo Lúcifer, arrastou legiões de bispos e fiéis à perdição.

Os Papas procuraram trazê-los de volta ao redil de Cristo. Pio XI destaca entre eles o papel de São Gregório VII, que invocou as bênçãos celestes sobre Demétrio, príncipe de Kiev e rei dos Russos, e sobre a rainha, a pedido do filho do casal que estava em Roma.

Os Papas Honório III, Gregório IX e Inocêncio IV enviaram legados aos príncipes, até que, em 1255, com a unidade refeita, o Núncio coroou Daniel, filho de Romano, como rei de todas as Rússias.

Esta união durou muitos anos, ensina a Ecclesiam Dei, malgrado os percalços. Notadamente a invasão mongol da Europa pela Horda Dourada de Batu Cã e Subedei, uma das guerras mais letais da História, entre 1236 e 1242.

Eles devastaram a Rússia e chegaram até a Polônia e a Romênia, derrotando os austríacos, os húngaros e os cavaleiros teutônicos. Na Hungria, mataram metade da população.

Finalmente retornaram à Ásia, mas conservaram Moscou, onde se fundiram com a população eslava local.

No Concílio de Florença (1431-1445), conhecido como de Basileia, Dom Isidoro, Metropolita de Kiev e de Moscou, cardeal da Santa Romana Igreja, em nome de todos os povos de sua língua, jurou conservar santa e inviolável a unidade na fé de Roma, ratificando a promessa de 1255.

Mas o inferno contra-atacou em 1453, quando o otomano Maomé II tomou Constantinopla, onde, segundo os erros cismáticos, residia o Espírito Santo após abandonar Roma.

Convencidos pela calamidade de que o Espírito Santo não poderia estar nessa cidade, os bispos do rito grego-católico reuniram-se com legados pontifícios no Concílio de Brest (1595-1596), na atual Bielorrússia, e juraram se submeter aos Papas de Roma.

Daí procede o nome “uniata”. O Papa Clemente VIII confirmou o referido Concílio na Constituição Apostólica Magnus Dominus e convocou a Igreja para agradecer a Deus pelo passo dado.

Mas o tsar de Moscou, Teodoro I — filho de Ivã IV, o Terrível — não aceitou tal decisão porque, como seus antecessores, utilizava-se dos bispos para consolidar suas conquistas.

Convocou então um Sínodo e, sob ameaça de morte, obrigou os bispos a se dobrarem ante um “Patriarcado de Moscou” de sua invenção, bem como a reconhecerem que o Espírito Santo estaria em Moscou — a dita Terceira Roma, após Roma e Constantinopla.

São Josafá Kuntsevytch (1580-1623), mártir. Túmulo em São Pedro, Vaticano
São Josafá Kuntsevytch (1580-1623), mártir. Túmulo em São Pedro, Vaticano

“Por meus ucranianos, espero converter o Oriente”


Contudo, o Arcebispo de Polotsk (Bielorrússia), São Josafá Kuntsevytch (1580-1623), resistiu e baniu os cismáticos, sendo por isso martirizado em Vitebsk, no ano 1623.

A brutalidade do crime estarreceu muitos cismáticos, que acabaram se reunindo na Igreja greco-católica ucraniana, fiel a Roma.

Por ocasião da beatificação desse mártir, em 1643, o Papa Urbano VIII defendeu a União de Brest com palavras que se revestem de importância em nossos dias:

“Por meio de vós, meus ucranianos, eu espero converter o Oriente”. (Cfr. Miroslav Zabunka e Leonid Rudnytzky, The Ukrainian Catholic Church, 1945-1975, St Sophia Association, Philadelphia, 1976, p.9.)

São Josafá foi canonizado por Pio IX em 1867 e seus restos mortais são venerados numa urna de cristal na Basílica Vaticana.

Em sentido contrário, o Patriarcado de Moscou foi extinto pelo mesmo capricho dos tsares que o criaram.

Em 1721, Pedro o Grande, achando-o uma velharia incompatível com a modernização do império, acabou enterrando-o por quase dois séculos, até que, aproveitando-se da derrubada da monarquia pelo comunismo, alguns bispos cismáticos interesseiros o restauraram.

A Revolução bolchevista precisava daquele patriarcado para enganar mais facilmente o povo, e o recompôs com a condição de ele pregar o socialismo.

O Soviete dos Comissários do Povo, tribunal do terror marxista, concedeu-lhe cidadania em 5-2-1918.

Com as sucessivas chacinas comunistas, dos 50.960 clérigos cismáticos — os ditos “popes” — então existentes, só restaram 5.665.

Dos 90.000 monges sobraram algumas centenas; e das 40.500 igrejas e 25.000 capelas cismáticas restaram apenas 4.255, e mesmo assim em ruínas.

O ‘patriarca’ Tikhon protestou, tendo sido encarcerado e torturado. Saiu do cárcere prometendo que “a partir de agora não sou um inimigo do poder soviético”.

Tikhon morreu em 1925, quiçá envenenado, e o ‘Patriarcado’ continuou como agência do ditador de plantão, sendo seus membros escolhidos pela polícia política comunista.

Holodomor: genocídio soviético


Grande parte do povo ucraniano pertence à etnia cossaca (ou povo livre, indômito e guerreiro), também presente em países vizinhos.

Os cossacos permaneceram cismáticos e os tsares de Moscou lhes ofereceram muitas concessões em troca de servirem em unidades de cavalaria.

Para alguns, eles são a coluna vertebral da Ucrânia moderna, como diz o hino nacional: “Nós somos da linhagem cossaca”.

Quando o comunismo destronou os tsares, os cossacos lutaram pela monarquia.

Em vingança, o ditador Joseph Stalin, com a cumplicidade do “Patriarcado de Moscou”, exterminou pela fome entre 6 e 8 milhões deles.

Paradoxalmente, os únicos a denunciarem o crime ao mundo foram os bispos católicos, que escreveram:

As sequelas do regime comunista se tornam cada dia mais aterradoras. Seus crimes horrorizam a natureza humana e fazem gelar o sangue [..].

Protestamos diante do mundo inteiro contra a perseguição de crianças, pobres, doentes, inocentes, e citamos os algozes diante do Tribunal de Deus Todo-poderoso.

O sangue dos famintos e escravizados tinge a terra da Ucrânia e clama aos Céus pedindo vingança, o pranto das vítimas da fome chega até Deus no Céu”. (Mons. Ivan Buchko First Victims of Communism: White Book on the Religious Persecution in Ukraine, Roma, 1953)


Por sua vez, o comunismo obrigou os greco-católicos ucranianos a apostatar, ingressando no ‘Patriarcado de Moscou’, e lhes confiscou todos os bens.

Os católicos resistentes foram martirizados, enviados à Sibéria, ou se refugiaram na clandestinidade, sendo o único grupo religioso que resistiu ao comunismo.

O arcebispo-mor dos católicos greco-ucranianos, Dom André Sheptytskyi, Arcebispo de Lvov e Patriarca de Aliche, apelou ao Papa Pio XII:

“Este regime só pode se explicar como um caso de possessão diabólica coletiva”.

E pediu ao Pontífice que todos os sacerdotes do mundo “exorcizassem a Rússia soviética”. (Pe. Alfredo Sáenz S.J., De la Rusia de Vladimir al hombre nuevo soviético, Ediciones Gladius, Buenos Aires, 1989, pp. 438-439)


Infelizmente, nem os governos ocidentais nem a Santa Sé atenderam a esses lancinantes clamores.




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