É do interesse da 'nova Rússia' que o Patriarca de Moscou seja tido como chefe máximo dos cismáticos 'ortodoxos' |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Na história da Igreja já houve muitos cismas, ou seja, setores da Igreja presididos por Bispos e até por Patriarcas que se separaram da Santa Sé, desconhecendo sua autoridade, jurisdição e obediência.
O maior deles foi o do Oriente, operado em 1054 e encabeçado por Miguel Cerulário, então Patriarca de Constantinopla (hoje Istambul). Ele arrastou consigo muitos bispos do Oriente, que costumam ser chamados de “ortodoxos”.
Houve então pretextos teológicos relacionados com a doutrina da Santíssima Trindade. Com o tempo, a divergência inicial foi se agigantando e abrindo um abismo com novos erros, heresias e desordens canônicas insondáveis.
Tendo recusado a autoridade suprema do Papado, os cismáticos “ortodoxos” não demoraram em recusar a autoridade uns dos outros. Assim geraram eles igrejas horrivelmente brigadas entre si, por vezes presididas por patriarcas fraudulentos. Essas “igrejas ortodoxas” hoje são quase mil!
O Patriarcado de Moscou resulta de uma dessas rachaduras indisciplinadas e heréticas. Foi criado em 1589 pelo czar Teodoro I da Rússia, que queria um apoio religioso para expandir seu império até o Mediterrâneo.
Dito Patriarcado foi suprimido pelo czar Pedro o Grande em 1721. Foi reconstituído na sua forma atual em 1917 no ambiente da Revolução Comunista de Lênin.
Desde então ele foi servindo ao ditador marxista de turno que o fechou em 1925 porque o Patriarca Tikhon manifestou desacordo com o massacre de religiosos e até teria se mostrado favorável aos "russos brancos" contrários aos "vermelhos" socialistas.
A igreja ortodoxa russa é uma das pontas do tridente político de Putin. |
Incapazes de reconhecer qualquer autoridade ou doutrina unificadora, as igrejas “ortodoxas” sempre foram dependentes do poder temporal da região ou do momento.
Vladimir Putin achou conveniente tirar o Patriarcado de Moscou da vergonhosa situação em que jazia, por ser do interesse da “nova URSS”. Mais ainda, quer constituí-lo líder de todas as igrejas “ortodoxas” do mundo.
O Patriarca Kirill, colega de Putin na (ex-)KGB, ficaria encarregado de colocar a canga moscovita sobre as “igrejas ortodoxas” que até agora estão desorganizadas constituindo um pântano em contínuo conflito.
Reunir esse amálgama de entes caóticos interessa também ao “progressismo católico” com vistas a tocar adiante o “ecumenismo”. Porque a desordem em que afundou torna impossível todo esforço de convergência religiosa relativista.
Com vantagem para uns e para outros, ficou marcada para 2016 a realização na ilha de Creta do primeiro Concílio “ortodoxo” da História. Nele se veriam as caras patriarcas, metropolitas e outros líderes cismáticos, ora amigos, ora inimigos.
Eles tentariam se por de acordo em algo, ainda que confuso e imperfeito, seja doutrinário ou disciplinar.
Mas, previamente à reunião, a delegação do Patriarcado de Moscou, obediente a Putin, apresentou condições que acabaram inviabilizando-a, como comentou o vaticanista Sandro Magister.
Também renunciaram a comparecer os patriarcados de Antioquia, da Bulgária e da Geórgia, envolvidos em desacordos irremediáveis.
Putin precisa bancar de 'ungido' pela religião cismática, que ele segura com punho de ferro! |
Tal submissão teria sido um grande triunfo de Putin e uma inacreditável capitulação do Vaticano, que favorecia esse concílio pan-ortodoxo.
O vaticanista Sandro Magister reproduziu o artigo “As verdadeiras razões do naufrágio”, de autoria de Alexei Tchoukhlov, constatando o fracasso da assembleia, a única que poderia ter-se realizado em mil anos de cismas e disputas.
Segundo Tchoukhlov, os documentos pré-confeccionados estavam prenhes de lugares comuns típicos da deplorável qualidade teológica e religiosa do mundo “ortodoxo”.
No fim, em Creta foi o fiasco. Os que acabaram comparecendo representavam uma fração fracativa das quase mil “igrejas ortodoxas” no mundo.
Tchoukhlov definiu o encontro de “espetáculo tristemente ridículo”.
Mas tanto em Moscou e quanto nas dependências vaticanas o mesmo foi pranteado como um fracasso da política de convergência com o comunismo metamorfoseado instalado na Rússia.
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